Há o glamour, o fascínio de muitos pela coroa, a realeza. Tem também as fofocas e os escândalos - no mais recente, o príncipe Harry e sua mulher, Meghan, que em janeiro de 2020 anunciaram a decisão de romper os vínculos com a monarquia, abandonando suas obrigações reais e se mudando para a Califórnia. No ano passado, o casal explicitou que integrantes da família não queriam que seu filho recebesse o título de príncipe ou princesa e demonstraram preocupação sobre o "quão escura" sua pele seria. E há os passados: o quanto ela, a rainha Elizabeth II, contribuiu para azedar o casamento anterior do filho, Charles, o herdeiro do trono, e tornar a vida da ex-nora Diana um inferno na Terra - sobre isso, estou ansioso pela próxima temporada de The Crown.
Mas, confesso, a parte que mais me chama atenção na vida da rainha que completa nesses dias 70 anos no trono é sua persona política. Ainda que estejamos falando de parlamentarismo, em que a monarca é chefe de Estado e o poder é exercido de fato pelo Executivo, um primeiro ou primeira-ministra, Elizabeth tem sido, ao longo dessas décadas, uma personagem política presente na maior parte dos fatos históricos dos séculos 20 e 21.
Beijaram sua mão e a ela prestaram reverência 14 primeiros-ministros - do grande Winston Churchill, passando pela dama de ferro Margaret Thatcher, Tony Blair, David Cameron, o executor do Brexit, até o atual, Boris Johnson, envolto no escândalo das festinhas regadas a vinhos transportados em malas em Downing Street enquanto o país amargurava a quarentena devido à covid-19.
Em meio à Segunda Guerra Mundial e diante da rejeição pela rainha de que Elizabeth e a irmã, Margareth, fossem evacuadas para o Canadá, ela fez usa primeira transmissão de rádio durante a Children's Hour, da BBC, dirigindo-se a outras crianças:
- Estamos tentando fazer tudo o que pudermos para ajudar os nossos valentes marinheiros, soldados e aviadores, e também estamos tentando suportar a nossa quota de perigo e tristeza da guerra. Sabemos, cada um de nós, que no final tudo ficará bem.
Tinha, então, 14 anos.
No trono, Elizabeth acompanhou as transformações da política internacional e do próprio Império britânico e da Commonwealth (a comunidade britânica de nações, composta por 53 países membros independentes que a têm como chefe de Estado). Recebeu Nicolau Ceausescu, o ditador romeno, apesar de acreditar que ele tinha sangue nas mãos, viveu os conflitos religiosos internos e o terrorismo, como na Irlanda do Norte, testemunhou a Guerra das Falklands (Malvinas, para os argentinos), na qual seu filho, Andrew, lutou, acompanhou a Guerra do Golfo, em 1991, sobreviveu a atentados e foi a primeira monarca a discursar em uma sessão conjunta do Congresso americano.
Sozinha na Abadia de Westminster, no funeral do marido, Phillip, durante o auge da pandemia, resumiu a imagem de muitos de nós, que, diante do horror da covid-19, nos despedimos de nossos queridos assim, a sós, sem o carinho de amigos e familiares. Funerais com distanciamento social foram dolorosos.
Nesses dias de Jubileu, em que Londres para a fim de homenagear a monarca, os olhos estarão voltados para sua sucessão - o filho Charles, 73 anos, e o neto William, 39, têm assumido, cada vez mais, as funções públicas de Elizabeth. A idade avançada do herdeiro direto, no entanto, o fazem ser visto como um futuro rei de curto prazo, ou, como se diz no caso dos papas, um "mandato-tampão". William, salvo tragédias, será o rei por boa parte do século 21.
O apoio a Elizabeth caiu entre os jovens nos últimos anos. Mas ela ainda tem incríveis 91,7% de popularidade entre os britânicos, segundo uma consulta realizada pelo jornal The Sun. A rainha dispõe da capacidade de unir os cidadãos - embora, claro, não seja unanimidade. Ninguém o é. Entre esta quinta-feira (2) e o domingo (5), mais de 200 eventos ocorrerão em sua homenagem. Por alguns instantes, a maioria esquecerá a inflação alta, o custo de vida mais caro, a guerra no coração da Europa e os escândalos do governo Boris Johnson. Todos serão súditos de Sua Majestade, aquela que, nas palavras do ex-secretário-geral da ONU Ban Ki Moon, é, de certa forma, âncora da nossa era.