Essa é a história de um avião "fantasma", de seu périplo misterioso por vários aeroportos da América Latina e uma tripulação composta por iranianos e venezuelanos retida por suspeita de terrorismo.
Começa assim: a aeronave, um Boeing 747 da empresa de transporte aéreo Emtrasur, da Venezuela, deixou o México transportando peças para automóvel. Pousou em Caracas, na Venezuela, antes de seguir viagem para o Paraguai, onde aterrissou no Aeroporto Internacional Guaraní, nos arredores de Ciudad del Este, em 13 de maio. Deveria ter decolado no dia seguinte, mas ficou até 16 de maio. Dias depois, a aeronave se aproximou de Buenos Aires, mas, devido à neblina na capital argentina, precisou pousar em Córdoba, em 6 de junho. A partir daí, sua rota se tornou mais conhecida: o avião decolou em 8 de junho para Montevidéu, mas não teve autorização para sobrevoar o espaço aéreo uruguaio, e regressou à Argentina, pousando no Aeroporto Internacional de Ezeiza, nos arredores de Buenos Aires.
Por onde passou, o Boeing deixou um rastro de suspeitas. A começar pela tripulação, composta por 19 pessoas (cinco iranianos e 14 venezuelanos), muito maior do que o habitual para um avião de carga. Depois, devido aos motivos alegados para a viagem, que, segundo a Justiça argentina, "não condizem com a verdade". Terceiro, devido aos procedimentos de voo: o transponder, equipamento que permite o rastreamento da rota e evita que aeronaves colidam no ar foi desligado, o que é proibido por normas internacionais de segurança de voo.
O avião foi retido em Buenos Aires, depois que autoridades paraguaias compartilharam com os vizinhos informações recebidas de "agências externas". Os equipamentos eletrônicos dos 19 tripulantes foram apreendidos - entre eles 19 celulares, cinco tablets e sete notebooks. As duas caixas-pretas do avião também foram recolhidas. Com elas, as autoridades poderão identificar conversas na cabine e dados de voo.
Uma das suspeitas é com relação ao piloto, identificado como Gholamreza Ghasemi, iraniano homônimo de um capitão das Brigadas Al-Quds, tropa de elite da Guarda Revolucionária do Irã, acusada de terrorismo pelos Estados Unidos. Em seu celular foram encontradas fotos de carros de combate, armas e bandeiras com frases contra Israel. As autoridades suspeitam de que o piloto e o capitão da Guarda sejam a mesma pessoa.
A aeronave de prefixo YV3531 foi vendida há um ano pela Mahan Air, empresa iraniana ligada às autoridades do regime de Teerã. A compradora foi a Emtrasur, subsidiária da venezuelana Conviasa, sob sanções por parte dos EUA. Suspeita-se de que a operação tenha sido de fachada para driblar as punições econômicas americanas.
Venezuela e Irã fecharam em junho um acordo de cooperação de 20 anos, gesto visto com preocupação pelo governo de Israel, que teme que o acerto sirva para tráfico de armas.
A parada em Ciudad del Este também é suspeita. A região na Tríplice Fronteira entre Brasil, Paraguai e Argentina é conhecida pela atuação do Hezbollah, que manteria ali células adormecidas com capacidade para entrar em operação terrorista quando chamadas. A guerrilha libanesa é apoiada pelo Irã. Da Tríplice Fronteira partem remessas de dinheiro de libaneses com ligações com o grupo extremista no Oriente Médio.
A Argentina também já foi alvo do terrorismo islâmico nos anos 1990. Em 1992, um carro-bomba destruiu a Embaixada de Israel em Buenos Aires, matando 29 pessoas e deixando 242 feridas. Dois anos depois, um outro atentado, contra a sede da Associação Mutual Israelita Argentina (Amia), matou 85 pessoas e feriu 300. As autoridades argentinas concluíram que os responsáveis pelos atentados haviam sido treinados e financiados por autoridades iranianas.
No caso do avião, a polícia argentina segue investigando os tripulantes. A aeronave está parada em Ezeiza. E os tripulantes, em um hotel de Buenos Aires.