Um dos principais representantes da nova geração de ativistas brasileiros, Marcelo Rocha, diretor executivo do Instituto Ayíka e ligado à Coalizão Negra por Direitos, discursou na sexta-feira no palco da grande manifestação que percorreu as ruas de Glasgow (Escócia), em meio à COP26.
Convocados pela plataforma Fridays for Future, liderada pela ambientalista Greta Thunberg, os presente cobraram dos governantes medidas concretas contra a crise climática. Em sua fala, ele comentou a importância de se discutir o racismo climático e de se considerar as necessidades de países em desenvolvimento. Marcelo, 24 anos, natural de São Paulo, conversou com a coluna.
Qual a sua percepção desses dias de discussão da COP26 em Glasgow? Dá para acreditar que agora vai haver um compromisso maior?
A gente tem caminhado em mini acordos e assinado algumas relações. Acredito que o Brasil não venha com ambição maior. Ao contrário, a gente tem voltado às ambições de 2015, que já foram entregues. Parece que a gente está aumentando nossa ambição, mas não necessariamente, porque a gente não tem cumprido com nossas metas. Sou um dos autores da ação que a gente colocou na Justiça federal de São Paulo para que o governo federal aumente sua ambição climática e retire a NDC (Contribuição Nacionalmente Determinada, compromissos voluntários criados por cada país signatário do Acordo de Paris para colaborar com a meta global de redução de emissões de gases do efeito estufa), que entregou em novembro de 2020, no qual havia uma alteração na base de dados, o que a gente tem chamado de pedalada climática. Com essa alteração no banco de dados, ao invés de aumentar a ambição, a gente aumenta emissão de gases de efeito estufa em quase 400 bilhões de toneladas. Isso não é apenas um prejuízo para nós, enquanto sociedade, mas também uma ação que, se repetida por outros países, não vai se chegar nem a 3ºC em 2030. Com todas essas ações a gente chega a no máximo 1,8ºC. É importante que a gente olhe e pense essa construção com esse olhar de ambição real do Brasil, de pensar e alterar essas metas.
Vocês estão sendo chamados de "geração Greta" pela Unesco, com envolvimento de muitos jovens. O que essa geração se diferencia das demais?
A questão de geração Greta é complexa, principalmente para nós que somos do Sul Global. Sim, inclusive sou do mesmo movimento de Greta, mas somos muitas vozes. Não dá para definir as vozes do ativismo climático apenas por Greta Thunberg, mas por vários ativistas do Sul Global, que têm feito grandes mobilizações há muito tempo. O Brasil mesmo é referência, tendo participado de conferências há muitos anos. O que a Unesco tenta trazer como a geração Greta é mostrar que é importante que a juventude seja protagonista. Não é sobre a Greta. Mas sobre os espaços que foram oferecidos a Greta. Que a gente possa pensar isso em outras formas, assim como Greta teve espaço para falar com governos, para dialogar com chefes de Estado, com várias pessoas, e trazer suas percepções, que a gente veja isso enquanto uma política e uma democracia em todos os sentidos e espaços. Isso é muito importante.
Em vários países europeus, a gente observa jovens repudiando candidatos a cargos políticos que não têm propostas para o ambiente. Isso fica perceptível com a ascensão do Partido Verde na Alemanha, por exemplo. Quando esse comportamento chegará ao Brasil?
Estive conversando com governador do Rio Grande do Sul, Eduardo Leite, exatamente sobre isso. Enquanto pré-presidenciável, o quanto era importante que isso estivesse em sua agenda. O Brasil viveu por muito tempo o período de não entender a questão ambiental como pauta central, diferentemente de vários países na Europa. Pensar na próxima eleição, de 2002, é imaginar que isso vai também estar na pauta. Talvez não diretamente, mas entendendo o retrocesso econômico e político que a gente viveu nos últimos anos e como a gente muda isso. Além disso, os últimos desastres têm mostrado para a sociedade brasileira o quanto é importante tratar o tema: a gente viu o que as queimadas na Amazônia ocasionaram, as tempestades de areia em São Paulo. Isso faz com que a gente perceba e entenda qual o processo que queremos como sociedade. E mais do que isso: quem está na ponta está sentindo as consequências das mudanças climáticas. A questão vai ser como esses futuros presidenciáveis vão olhar para o tema e pensar essa possibilidade.
Vocês do Instituto Ayíka desenvolvem projetos de educação ambiental com parceiros estatais, com os governos de SP e RS. Poderias falar sobre o projeto no RS?
Iniciei agora com o Rio Grande do Sul, mas não necessariamente um projeto com o Estado do RS. Estou em conversa com Leite para pensarmos algumas coisas, mas, por enquanto, só em São Paulo assinamos um termo de intenção para ações em educação e mudança climática. Pretendo abrir esse diálogo com o governo do RS para que a gente possa criar ações efetivas.
O Brasil chegou à COP26 muito pressionado. Qual a sua avaliação da posição brasileira?
O Brasil segue pressionado. Não tem como pensar essa construção de Brasil dentro da COP26 sem entender o que o governo federal tem feito às pressas e de forma não oficial. O governo brasileiro não oficializa o que tem falado. Tem feito declarações apenas. A gente espera que ele reveja e coloque isso na NDC, com essas alterações, tirando essa pedalada climática. Além disso, acredito que o Brasil sai dessa COP26 com muito mais pressão porque a população tem visto e o país se tornou uma vergonha mundial. Pelos corredores da COP, a gente olha e fica constrangido a que ponto o Brasil chegou e como estamos alocados nesse lugar.
O que os jovens apresentaram no documento entregue à COP?
A juventude tem entregue vários documentos. Eu, enquanto do grupo de trabalho de conferência local e juventude da ONU fiz parte dessa construção no Brasil para entregar esse chamado global da juventude. O que mais a gente tem conversado é de pensar a justiça climática não só como mercado de carbono. É importante tratar da questão econômica, mas também é necessário falar das relações entre pessoas, como se constrói essa mudança, efetivamente essa transformação na nossa sociedade. A gente falou muito sobre perdas e danos, sobre adaptação, como pensar o que está acontecendo e sobre mercado de carbono responsável, mas temos como prioridade trazer as questões que falam sobre a vida das pessoas e não apenas sobre dinheiro e mercado.