Nenhuma outra personalidade pública conspira tanto contra a democracia dos Estados Unidos quanto Steve Bannon, que se entregou ao FBI na segunda-feira (15) e foi liberado desde que cumpra uma série de restrições impostas por um juiz federal. Ele é acusado criminalmente de ter desobedecido a um mandado de uma comissão legislativa que investiga a invasão do Capitólio em 6 de janeiro.
O fato de Bannon possivelmente saber dos protestos (e insuflar) os manifestantes naquele dia de infâmia é apenas a ponta do iceberg. Seu histórico golpista é antigo, utilizando-se de técnicas que exploram as falhas da democracia, fomentando rancores de setores conservadores e manobrando as massas perdedoras do processo de globalização, para minar as instituições por dentro.
Bannon foi o homem que criou Donald Trump, quando os caciques do Partido Republicano se digladiavam para encontrar um candidato que devolvesse a Casa Branca à legenda, depois de oito anos dos democratas no poder, com Barack Obama. Conhecido pelo site ultraconservador Breitbart News, Bannon não apenas absorveu ideias mais à direita do partido, que já afloravam na eleição de 2008 no Tea Party, como as radicalizou, dando forma à chamada Alt Right, a "nova direita" - caldeirão de teorias conspiratórias das quais beberam líderes mundiais e o círculo próximo de pessoas como Trump, o presidente Jair Bolsonaro, o italiano Matteo Salvini, o primeiro-ministro húngaro, Viktor Orbán, e expoentes do Partido Lei e Justiça, da Polônia, entre outros.
No Breitbart News, embrião de seu voo mais alto, Bannon atacava organismos internacionais, ONGs, como Greenpeace, fundações como Open Society, de George Soros, e defendia a suposta existência de um conluio internacional financiado por elites progressistas para chegar ao poder e colocar em prática uma agenda de esquerda que estaria impregnada em Hollywood, no Vale do Silício, em decisões de Bruxelas e em universidades públicas mundo agora. Bannon costuma dizer que a tática da nova esquerda é ocupar meios de pensamento, implementando um projeto de aniquilação da cultura ocidental cristã ao impor temas como feminismo ou o que chama de gayzismo (termo pejorativo para se referir às causas LGBT+), além do ambientalismo e do multiculturalismo.
No Brasil, essa linguagem divisória, medieval, encontrou ecos na família Bolsonaro e em parte do ministério, tendo seu principal representante o ex-chanceler Ernesto Araújo. Os encontros do deputado federal Eduardo Bolsonaro (PSL-SP) com Bannon e com o próprio presidente brasileiro foram vários.
O primeiro ato da queda de Bannon foi seu afastamento da Casa Branca, por divergências com Trump no primeiro ano de mandato. Depois, houve sua fracassada tentativa de criar uma "universidade" da "nova direita", para fomentar jovens a espalhar valores "ocidentais judaico-cristãos" em um mosteiro de Trisulti, na Itália. O problema, dessa vez, não foi ideológico, mas financeiro: Bannon não pagou as taxas necessárias para ocupar o local nem cumpriu seus compromissos de manter e reformar o castelo onde funcionava o mosteiro.
O terceiro ato veio a partir das investigações sobre sua atuação, nos bastidores, para a invasão do Capitólio, em janeiro. "Será que o caos se vai instalar amanhã? Muitas pessoas me disseram: 'Se houvesse uma revolução, seria em Washington'. Bem, esse vai ser o momento de vocês na história", disse ele em seu podcast na véspera do ataque.
A democracia americana sofreu naquele dia seu maior teste de estresse desde a Guerra Civil. E sobreviveu. Bannon negou-se a testemunhar, entregou-se à polícia federal dos EUA e, assim, livrou-se de permanecer preso. Para ser libertado, concordou em comparecer semanalmente à Justiça, entregar seu passaporte, notificar qualquer viagem para fora do distrito e buscar aprovação do tribunal para viagens fora dos EUA.
Ele segue livre, mas o cerco está se fechando.