O jornalista Vitor Netto colabora com o colunista Rodrigo Lopes, titular deste espaço.
Yamandú Orsi foi eleito presidente do Uruguai para os próximos cinco anos. A coluna conversou com o professor de Relações Internacionais da ESPM de São Paulo, Roberto Uebel, sobre o futuro as propostas e o futuro do novo presidente.
O atual presidente Lacalle Pou contava com uma boa avaliação no governo. Por que não elegeu seu sucessor?
O Uruguai é um país muito interessante de acompanhar as eleições, porque são duas questões centrais que vão pautar o comportamento dos eleitores uruguaios. Primeiro a questão social e depois a questão econômica. Aqui no Brasil, acabamos entrando em várias frentes, nos Estados Unidos, por exemplo, só a pauta econômica. Estive em todos os últimos quatro anos no Uruguai e o que eu percebia é que o Lacalle Pou, apesar de fazer um governo razoável, um governo bem aprovado, na pauta social ele ficou muito aquém do desejado. Os uruguaios reclamavam que a violência tinha aumentado, que o salário e o poder de compra era apenas para sobreviver, tanto que isso foi até um tema que o Yamandú trouxe na campanha. E a questão também dos programas sociais, eles diziam que o Lacalle Pou tinha ou cortado ou não tinha atualizados, até mesmo com relação à inflação. E eu ouvia muito no interior, ouvia o pessoal dizendo que o presidente ignorou praticamente o interior do Uruguai. Diziam que ele governava para Punta del Este, ou seja, apenas para uma elite econômica. Acho que isso pautou muito essa eleição. Os uruguaios reclamavam muito de que o Uruguai era um país que envelheceu, tinha uma fuga muito grande de jovens, de saída de jovens no Ensino Superior, e que não se modernizava. Acho que acabou sendo uma série de fatores. E, no último ano, alguns casos de corrupção, que claro, nem se comparam com os casos de corrupção do Brasil, digamos assim, mas alguns casos de corrupção que acabaram afetando a própria imagem do governo uruguaio. E que a Frente Ampla (partido de Yamandú) conseguiu traduzir isso em votos.
Quais as principais bandeiras de Yamandú Orsi?
O programa eleitoral do Yamandú, parece que ele pegou o programa eleitoral do Lula, governo 1 e 2, e traduziu para o espanhol. Porque tudo aquilo que já tem no Brasil, ele quer implementar no Uruguai. Uma espécie de um bolsa família; aquele programa que tivemos no Brasil, o Pronatec, ele quer criar um Plano Nacional de Cursos Técnicos, escola de Tempo Integral; esse Pé de Meia, que tem agora no governo Lula 3, ele quer fazer também no Uruguai, para jovens de 18 a 24 anos. Também diferencia um pouco do Pepe Mujica, porque tem uma pauta econômica mais liberal. Ele quer reduzir carga tributária, fomentar microempreendedor, quer criar uma espécie de MEI no Uruguai. É muito parecido com o que já temos aqui no Brasil. Então, eu tenho plena certeza que o pessoal da Frente Ampla pegou os planos aqui do Brasil e traduziu para o espanhol e adaptou para a realidade uruguaia. O Mujica era muito uma ênfase na pauta social, que era o problema central do Uruguai 20 anos atrás, quando foi presidente. Diria que o Yamandú até tinha uma certa resistência dentro do partido, porque a vice dele é considerada até muito liberal e ele um pouco mais equilibrado. Claro, ambos são de esquerda, mas diferem do Mujica que era, eu diria, uma esquerda mais tradicional, que era o perfil da época. O Lula, a Cristina Kirchner, a Michelle Bachelet no Chile, o Fernando Lugo no Paraguai, o Mujica no Uruguai. Era uma onda de esquerda diferente. Agora não, eu diria que ele tem um programa parecido com esse (atual) do PT, mas ele tem um perfil mais Gabriel Boric do Chile. Ele tem esse perfil um pouco mais que olha para as questões econômicas, olha para o microempreendedor, para o capitalismo de fato.
O que muda do governo Lacalle Pou para o governo Yamandú?
O Uruguai é um país, eu sempre digo, muito abençoado, que eles não tem polarização política como o mundo inteiro tem. A transição é muito educada e civilizada. O candidato que perdeu, imediatamente ele ligou para o Yamandú e o parabenizou. O próprio Lacalle Pou. Esses problemas políticos não existem. O que existe no Uruguai é aquele problema histórico, que é demográfico. É uma população já envelhecida, um número de jovens cada vez menor, tem uma imigração muito grande para outros países. Olhando aqui o programa de governo, eles fazem um diagnóstico muito correto. O Uruguai não consegue atrair investimento externo. Queriam tornar o porto de Montevideo um porto competitivo, mas o investidor olha para Rio Grande, no Brasil, e para Buenos Aires, na Argentina, por que ele vai vir para o Uruguai? É um país caro para poder manter esse nível de bem-estar de uma população com cada vez maior número de aposentados. Então, acho que esse é o desafio de qualquer líder, fazer esse equilíbrio e reter, ou seja, manter os jovens no Uruguai, manter investimentos, manter empresas, que é um desafio muito grande, não é impossível, mas tem que tornar o país atrativo para isso. Provavelmente eles vão buscar parcerias com outros países, provavelmente a China, para tentar atrair esse tipo de investimento e, obviamente, manter a população no próprio país.
E a relação com o Brasil muda?
Eu acho que tende a fortalecer. O Lacalle Pou tinha uma boa relação com o Lula, apesar de serem de espectros políticos diferentes, mas uma relação muito boa. Aliás, o ele meio que rompeu com o Bolsonaro. Foi o primeiro líder de direita a abandonar o Bolsonaro na época. Então, o Brasil que já tinha uma boa relação, tende, eu acho, a melhorar. Acho que ele tende a manter um equilíbrio maior no Mercosul. E ouvi do embaixador brasileiro Montevidéu no ano passado, que o Uruguai olha muito para o Brasil diante da cooperação técnica, ver como é que o Brasil faz programas sociais, programas de investimento em ciência, tecnologia, inovação. Acho que a tendência é de um aprofundamento dessas relações, que acaba sendo positivo talvez até para o Rio Grande do Sul. Favorecer turismo e comércio.
E a relação com o Mercosul?
Acho que dá um certo equilíbrio. Justamente porque o Uruguai também tem muito interesse de se aproximar da União Europeia, da China e de outros parceiros. O próprio Yamandu fala que o Uruguai tem, inclusive, interesse de se aproximar dos BRICS. Justamente agora, com o novo governo dos Estados Unidos, buscar alternativas. Então, eu acho que pode favorecer esse tipo de integração comercial e econômica também.