Agora que o último avião americano decolou de Cabul, encerrando oficialmente os 20 anos da presença dos EUA no Afeganistão, a pergunta inconveniente é: quem venceu a guerra?
O governo americano, seja o atual democrata ou fosse o anterior, republicano, diria que os Estados Unidos são os ganhadores. Por dois fatores: Osama bin Laden, arquiteto dos atentados de 11 de setembro de 2001, está morto; e os americanos estão se retirando porque querem, e não porque serão "saídos" do país.
Essa é uma meia verdade. Primeiro, os Estados Unidos estão saindo porque não há como permanecer em uma guerra para sempre. Segundo, porque já torraram US$ 2,2 trilhões em duas décadas de conflito, US$ 83 bilhões desse total só para treinar e aparelhar as forças armadas afegãs, aquelas que abandonaram os fuzis quando o Talibã dobrou a primeira esquina de Cabul. Terceiro, porque essa era uma guerra cada vez mais impopular - dois terços dos americanos queriam seu país fora das fronteiras afegãs. E quarto porque governos, legisladores e população em geral estão cansados de assistir cenas como as que Joe Biden testemunhou no domingo (29), na base aérea de Dover, em Delaware: filhos de americanos voltando para casa dentro de caixões cobertos com a bandeira dos Estados Unidos.
Até hoje, 46 anos depois que o último helicóptero deixou o telhado da embaixada americana em Saigon, muita gente ainda argumenta que, se olharmos as baixas aplicadas ao inimigo, os Estados Unidos foram os verdadeiros vencedores da Guerra do Vietnã. Daqui a 20 anos, muitos dirão que, com Bin Laden morto e a Al-Qaeda dilacerada, o conflito no Afeganistão valeu a pena.
Esquecem que o sucesso de um conflito não se mede pelo total de baixas impostas ao inimigo. Fosse isso, os EUA teriam, mesmo, vencido no Afeganistão. Perderam 2,5 mil militares, contra 51 mil combatentes dos inimigos americanos. Mas mede-se o sucesso de uma guerra pela conjuntura final, quando as armas se calam. E nesse quesito o retorno do Talibã ao poder evidencia erros militares, políticos e estratégicos .
Militares porque Bin Laden foi morto em 2011, mas os EUA, metidos no atoleiro afegão, ainda permaneceram no país por mais 10 anos.
Políticos porque a prática intervencionista, de expandir a democracia em busca de uma suposta pax americana ao redor do mundo, naufragou. O poder está de volta às mãos dos extremistas, e o governo constitucionalmente eleito erodiu da noite para o dia.
E estratégicos porque, passados 20 anos, a Guerra ao Terror saiu do controle, tornou-se um monstro de vários tentáculos difícil de controlar e, por vezes, com vida própria. Hoje, há mais grupos extremistas mundo afora do que havia duas décadas atrás. E, em muitos casos, organizações terroristas surgiram justamente a partir dos conflitos sem fim americanos, como o Estado Islâmico.
A vitória do Talibã, aliás, é um farol para esses jihadistas, que comemoraram a tomada de Cabul em países como Somália, Síria e Iêmen como inspiração para eles próprios derrubarem governos, na esteira da humilhação de grandes potências.
O atentado de quinta-feira (26) e a facilidade com que o Isis-K tem disparado seus foguetes contra o aeroporto, como nesta segunda-feira (30) em Cabul, são indícios de que o Afeganistão corre sério risco de voltar a ser usado como base para atacar o Ocidente. Voltamos a 10 de setembro de 2001.