
Em uma medida definida por diplomatas como incomum, o Ministério das Relações Exteriores brasileiro decretou sigilo de cem anos para os documentos relativos ao caso da detenção do médico gaúcho Victor Sorrentino, no Egito, em 30 de maio.
O profissional foi conduzido a uma delegacia e teve de comparecer a audiência no Ministério Público egípcio após gravar um vídeo em que apareceu falando palavras de conotação sexual a uma vendedora de uma loja de papiros. O caso ganhou ampla repercussão no Egito e no Brasil.
A informação sobre o sigilo decretado pelo Itamaraty foi publicada pela primeira vez pela revista Crusoé, que tentou, sem sucesso, acesso aos telegramas e documentos referentes às tratativas para a libertação do médico.
A coluna questionou nesta terça-feira (13) o órgão sobre a razão de ter tomado essa decisão. O ministério informou que o prazo foi estabelecido com base no disposto no artigo 31 da Lei de Acesso à Informação (LAI), que permite restringir do conhecimento público documentos que contenham "informações pessoais".
A medida causou estranheza entre experientes diplomatas, que a avaliam como pouco comum. Principalmente, com relação ao tempo de sigilo - documentos que envolvam temas sensíveis, como segurança nacional, normalmente são taxados como sob segredo por no máximo 25 anos.
Segundo a Lei de Acesso à Informação (LAI, número 12.527), de 18 de novembro de 2011, os prazos máximos de restrição para documentos públicos são de 25 anos (ultrassecretos), 15 anos (secretos) e cinco anos (reservados). Esse tipo de classificação só pode ser considerada sigilosa em caso segurança da sociedade ou do Estado. Porém, na seção V, o artigo 31 permite prazo de cem anos de segredo para o tratamento de informações pessoais relativas à intimidade, vida privada, honra e imagem. Esse foi o dispositivo da LAI utilizado pelo Exército para negar acesso ao processo administrativo sobre a participação do general Eduardo Pazuello em ato político ao lado do presidente Jair Bolsonaro no final de maio no Rio de Janeiro.
Sorrentino foi libertado em 6 de junho pelas autoridades egípcias, após pedir, em novo vídeo, desculpas à mulher muçulmana. Uma carta também foi escrita pela família, reiterando as desculpas.
Segundo fontes da coluna, a libertação só foi possível depois que as negociações saíram da esfera da diplomacia, da polícia e da Justiça e entraram em "altíssimo nível". A rapidez da operação surpreendeu, uma vez que, por decisão do Ministério Público do Egito, o brasileiro ainda teria de enfrentar uma nova audiência. Desde então, a promotoria egípcia não se manifestou mais sobre o caso.
Desde a chegada do médico ao Brasil e retorno a Porto Alegre, a coluna tem solicitado a sua assessoria de imprensa uma entrevista, que, até o momento, não foi concedida. Um novo pedido foi feito nesta terça-feira (13), ainda sem resposta.