"Não tenho vergonha de mudar de ideia, porque não tenho vergonha de pensar". A frase de Blaise Pascal, filósofo e teólogo francês, que viveu no século 17 e aplica-se, com perfeição, à mudança de postura do governo brasileiro com relação à suspensão temporária de patentes de vacina contra a covid-19.
Na quinta-feira (6), o chanceler Carlos Alberto Franco França afirmou em audiência pública no Senado que o Brasil mantinha a posição contrária à quebra de patentes dos imunizantes e de insumos contra o coronavírus. Deixou uma brecha: o governo poderia rever a posição caso a mudança de postura dos Estados Unidos atendesse aos interesses do país.
Esse é o ponto. Àquela altura, a posição brasileira coincidia com a dos Estados Unidos, contrários à chamada "quebra de patentes". No dia seguinte, sexta-feira (7), o governo Joe Biden, de forma surpreendente, rompeu com a opinião tradicional do governo americano (seja democrata ou republicano) de proteger o direito intelectual da indústria e se colocou favorável às negociações na Organização Mundial do Comércio (OMC) por suspensões temporárias de patentes.
O que fez o governo brasileiro? Também mudou de opinião. O que, a um primeiro olhar, pode parecer a continuidade de um alinhamento cego aos interesses americanos é, na verdade, uma mudança de postura da diplomacia brasileira que, embora, no caso, esteja afinada com Washington, privilegia, dessa vez, o interesse nacional.
França, que assinou nota com os ministérios da Saúde, da Economia e de Ciência, Tecnologia e Inovação, estava não mais do que voltando ao manual que por décadas projetou a diplomacia brasileira. Como potência média, ao Brasil não cabe alinhamentos automáticos, mas, antes de qualquer canetaço no sistema internacional, um olhar atento ao interesse nacional. Esse é o bom e velho pragmatismo deixado de lado por questões ideológicas nesses dois anos e meio da gestão de Ernesto Araújo à frente do Itamaraty.
Mais do que apoiar as negociações na OMC em torno da suspensão das patentes das vacinas contra a covid-19, a posição atual da diplomacia brasileira, que resgata as melhores tradições de seus profissionais, reposiciona o Brasil no cenário global com as características saudáveis que, por décadas, lhes foram elogiáveis: embora com o interesse nacional sendo elevado ao primeiro lugar, o país não se furta de buscar uma solução consensual e cooperativa para a questão. O Brasil volta, aos poucos, a ser o Brasil conciliador, mediador e e articulador por dentro dos fóruns e arranjos internacionais. Que não seja apenas um suspiro.