Três presidentes dos Estados Unidos, Barack Obama, Donald Trump e, agora, Joe Biden, precisaram ou precisam, no caso do atual, dedicar boa parte da energia de seus mandatos a corrigir os erros estratégicos da administração George W. Bush.
Em outras palavras, quase 20 anos desde o 11 de setembro de 2001, os comandantes-em-chefe da nação tentam tirar os militares dos atoleiros a que o republicano os meteu no Afeganistão e no Iraque.
Os três prometeram em suas campanhas trazer de volta para casa os filhos dos americanos. E, para cumpri-las, colocaram em prática estratégias irresponsáveis ou desleais, que colocam em risco as relações com aliados (por vezes os jogando nos braços de inimigos locais) e ameaçando a frágil estabilidade conquistada nesses anos.
A Casa Branca atual pretende retirar todos os militares americanos que ainda estão no Afeganistão até setembro, data em que os Estados Unidos lembrarão o aniversário de 20 anos dos atentados terroristas que marcaram a ordem mundial no século 21. Atualmente, ainda há entre 2,5 mil e 3 mil homens e mulheres em campo afegão.
Assim como no conflito geopolítico com a China, no caso afegão, Biden e seu antecessor, Trump, estão alinhados. Afinado com a doutrina do "America First", o republicano iniciou a retirada das tropas com um acordo histórico selado em Doha (Catar) em 29 de fevereiro de 2020 com o Talibã. Pelo documento, os EUA saem do país, e a milícia extremista que abrigou Osama bin Laden e, entre 1996 e 2001 governou boa parte do Afeganistão com um regime medieval, promete respeitar a atual administração, abdicar de ataques e rejeitar abrigar terroristas.
O problema é que, primeiro, o Talibã não é confiável. De lá para cá, volta e meia ocorrem ataques, a milícia vem concentrando forças e já ocupa territorialmente 70% do país. Ao deixarem o Afeganistão, os EUA estarão abandonando nas mãos dos talibãs antigos parceiros de armas (a antiga Aliança do Norte) entronados por Washington. Mais: a população, cansada de guerra, ficará sob risco do retorno de um conflito civil, sem falar na capitulação entre os próprios americanos. O objetivo inicial da guerra de Bush era a derrota total do Talibã. Vinte anos depois, os EUA deixarão o campo de batalha na mais longa guerra em que se meteram como perdedores. O assassinato de Bin Laden é exceção.
No cenário externo, uma saída unilateral dos americanos, ou seja, não combinada com os aliados, será um tapa na cara da Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan), que, após o horror das torres-gêmeas, evocou pela primeira vez, em defesa dos EUA, seu artigo 5º, pelo qual um ataque a um membro é um ataque contra todos.
Em política, não existe vácuo de poder. As lições do Iraque devem ser aprendidas. Nesse caso, a retirada, iniciada por Obama, abriu espaço para a atuação do grupo terrorista Estado Islâmico, que chegou a dominar todas as grandes cidades iraquianas, com exceção de Bagdá.
Na Síria, para onde fugiram muitos combatentes extremistas do país vizinho, os EUA abandonaram o campo de batalha, já sob Trump, deixando aqueles que deram o sangue pelos interesses americanos, os curdos, na mão. Ao retirar as tropas americanas da fronteira entre Síria e Turquia, Trump deu carta branca para que a Turquia invadisse áreas curdas na Síria.
Nos campos internos, a saída americana sem estratégia favorece o retorno ao caos - no Afeganistão, pelas mãos do Talibã, no Iraque e na Síria, pela ação de grupos extremistas ou no reforço da ditadura de Bashar al-Assad.
No cenário externo, o vácuo deixado pelos americanos abre espaço para China ampliar influência na Ásia, e para o Irã xiita, apoiado pela Rússia, exercer o poder no Oriente Médio.