Mudou da água para o vinho. A depender do discurso do novo chanceler Carlos Alberto Franco França, nesta terça-feira (6), o Brasil inaugura uma nova velha era das relações exteriores.
Nova porque rompe com todo o ranço ideológico do antigo comando do Itamaraty, a cargo de Ernesto Araújo. Velha porque traz de volta uma certa normalidade à política externa brasileira, baseada no pragmatismo, no multilateralismo e na boa relação com os vizinhos de América do Sul.
O pronunciamento de França contrasta com toda a narrativa de Araújo e dos formadores da política externa brasileira ao longo de dois anos e quatro meses. Aliás, um ouvinte desavisado poderia imaginar, por um instante, que se tratava de outro governo.
Não houve menções ao chamado "globalismo", narrativa fantasiosa criada pela alt-right americana, de Steve Bannon e companhia e absorvida pelos seguidores de Olavo de Carvalho no círculo mais próximo do presidente Jair Bolsonaro. Consequentemente, França passou ao largo de críticas à China, o principal parceiro econômico do Brasil, ou de quaisquer posicionamentos ideológicos sobre temas como direitos humanos, aborto e causas LGBT+.
Ao contrário, o Brasil voltou a ser o Brasil. Ao menos no discurso.
França elogiou, por exemplo, organismos multilaterais, como a Organização Mundial do Comércio (OMC) e a tentativa do país de ingressar na Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) e reforçou a importância da integração sul-americana, salientando o Mercosul. É característica de uma potência média, como o Brasil, a busca por influência interna nos fóruns internacionais, ambientes fundamentais para unir forças e ter mais voz no sistema internacional - visão oposta a de Araújo, para o qual o sistema ONU estava a serviço de um suposto complô para retirar a autonomia e a soberania das nações.
Pontos nevrálgicos da virada de pensamento, a "diplomacia da saúde" e o desenvolvimento sustentável apareceram como aspectos urgentes da nova política externa. A primeira por ser o foco fundamental da nova gestão da Casa de Rio Branco. O Brasil, isolado do mundo ou negociando imunização contra a covid-19 baseado apenas em ideologia ou amizades, ficou para trás na corrida pela vacina. O atraso na chegada do IFA (Ingrediente Farmacêutico Ativo), princípio da vacina, é apenas um exemplo do desconhecimento - ou má-fé - da antiga chancelaria -, que levou ao atraso na fabricação do produto no Brasil.
Já "desenvolvimento sustentável" voltou a ser expressão da moda para agradar ao novo inquilino da Casa Branca. Donald Trump é passado. Discursos negacionistas em relação ao aquecimento global, emulados pelo ex-chanceler, não passam nem perto de Washington sob nova direção, a partir de agora. Se o Brasil quiser se aproximar do governo Joe Biden, o tom está adequado.
Dançar conforme a música não é errado. Ao contrário, é característica histórica da diplomacia brasileira - e, diga-se de passagem, de todos os países emergentes que almejem algum nível de influência no sistema internacional. Trata-se do bom e velho pragmatismo. Essa é a diplomacia normal. A anormal é a que vigorava a até poucos dias atrás.