A saída de cena de Raúl Castro, irmão de Fidel Castro, na sexta-feira (16), na abertura do 8º Congresso do Partido Comunista (PCC), é sobretudo simbólica. Pela primeira vez desde a revolução de 1959, um Castro não estará no comando máximo da ilha de Cuba - a presidência já havia sido transferida para Miguel Díaz-Canel, em 2018, mas Raúl seguia como primeiro secretário do partido, que, na rígida hierarquia do regime cubano, está acima do próprio governo. Ou seja, quem mandava continuava sendo ele.
Há também o aspecto de transição geracional, imposto pela lógica da vida. Aos poucos, a geração de Sierra Maestra vai cedendo lugar a novos líderes, muitos deles tecnocratas ou herdeiros das tradições e do cânone da Revolução, porém sem o aspecto histórico (do "eu estava lá") que lhes garantiria maior reconhecimento e autoridade. São perceptíveis, para quem acompanha a política cubana, as divergências internas no Politburo, que, na prática, refletem, até em Cuba, visões polarizadas de mundo - há os mais progressistas e os mais conservadores dentro do partidão.
Díaz-Canel tem sido um fiel seguidor da herança dos Castro. Seu lema é "continuidade". Mas Cuba já não é a mesma. Quando estive lá, em 2014, nos dias seguintes ao acordo histórico de reaproximação com os Estados Unidos, a ilha já era um laboratório de transição econômica - talvez leve anos para se tornar uma China e seu capitalismo de Estado, mas nem um pouco lembrava o antigo enclave comunista-castrista dos anos 1970 e 1980.
Quando fui, a internet ainda era muito lenta e indisponível para a maioria dos cubanos. Hoje mais rápida, ela propicia o uso das redes sociais, onde jovens escancaram seu dia a dia e, por vezes, ensaiam alguma contestação.
Desde 2011, algumas mudanças na economia foram implementadas. As duas moedas - o peso cubano (CUP) e o peso cubano conversível (CUC) - foram unificadas e os salários, pensões e aposentadorias, aumentados. A iniciativa privada é permitida em alguns setores, ainda que de forma limitada.
As mudanças também trouxeram desvalorização da moeda e inflação, que chegou a 160% antes da pandemia. Com o coronavírus, o Produto Interno Bruto (PIB) despencou 11%.
Ou seja, há crise econômica e sinais de contestação facilitada pela tecnologia, dois combustíveis que juntos costumam gerar revoltas. Mas em Cuba o regime segue, aparentemente, de pé.
Boa parte da história dos cubanos também é entendida na relação com os Estados Unidos - de oposição e enfrentamento, como na maior parte desses 60 anos desde a revolução ou de aproximação e degelo, desde o acordo entre Castro e Barack Obama, em 2014. Nos últimos quatro anos, Donald Trump não apenas cancelou o acordo costurado pelo antecessor, como voltou a implementar sanções econômicas contra a ilha e a incluir o regime na lista americana dos que patrocinam o terrorismo.
Quando deixou o Palácio das Convenções na sexta-feira (16), Castro mostrou boa vontade em construir "um novo tipo de relação" com os Estados Unidos, "baseada no diálogo respeitoso". Mas o governo Joe Biden, embora seguidor da doutrina Obama, já demonstrou que Cuba não é prioridade de sua agenda externa.
Oitenta por cento da resposta à pergunta do título está a ser construída a partir de hoje, quando, pela primeira vez em seis décadas, Cuba não terá um Castro no poder. A promessa é de continuidade. Mas a diminuição no número de cubanos que participaram da revolução fatalmente irá mudar as características do regime. Ao mesmo tempo, enquanto Raúl estiver vivo, dificilmente alguma alteração de grande porte será implementada pela geração mais jovem sem seu aval. Como Raúl seguiu sob o fantasma de Fidel, na prática, Díaz-Canel seguirá sob sua influência. Cuba muda sem mudar.