Muito do que a China será nos próximos anos depende desses dias em Pequim. No Palácio do Povo, o parlamento realiza até domingo (7) a sessão plenária da Assembleia Nacional do Povo (ANP), espécie de palco para o Partido Comunista Chinês exibir aos cidadãos e ao planeta - com as reservas peculiares de uma ditadura, claro - as prioridades a médio e longo prazos. A filosofia política chinesa é medida em décadas e soluções a curto prazo praticamente inexistem.
Cerca de 3 mil deputados estão reunidos desde quinta-feira (4). Este ano, em um discurso abrangente, o primeiro-ministro Li Keqiang reivindicou a quase erradicação da covid-19, a eliminação da pobreza absoluta e a retomada da economia.
A fala é quase um deboche para o mundo, que, em razão da pandemia que lá surgiu, vê, em alguns lugares, como o Brasil, a curva ascendente de infecções e mortes, o aprofundamento de desigualdades sociais e os números do Produto Interno Bruto (PIB) despencarem.
Teorias conspiratórias não passam por essa coluna, como já comentei, mas os méritos chineses - como uma expectativa de crescimento na casa de pelo menos 6% em 2021 (alguns falam em 8%) - ajudam a alimentar teses sem evidências científicas sobre a origem do coronavírus, ainda mais diante da falta de explicações convincentes por parte das autoridades de Pequim sobre como lidaram com a covid-19 nos primeiros dias.
Das entranhas do Politburo chinês é possível perceber para onde o dragão aponta seu focinho. O primeiro movimento é em relação à questão de Hong Kong. Os chineses pretendem apertar o torniquete, asfixiando os últimos suspiros de democracia, ampliando controle e aumentando restrições para os candidatos às eleições legislativas na região. Na prática, nenhum político poderá concorrer sem o aval de um comitê.
Segundo tema das entrelinhas do encontro é o tamanho da influência que o país terá na economia global e seu poder militar. A nação ainda está longe de se tornar a maior economia do mundo - o PIB americano é de US$ 21 trilhões (2020), enquanto o chinês ficou em US$ 15 trilhões. Mas a pandemia acelerou processos e tornou visível a influência do país em todos os continentes, ocupando vácuos políticos deixados pelos Estados Unidos, no Oriente Médio, na Europa, na África e aqui, na América Latina a- além da própria Ásia.
Também há um desejo de projeção de poder militar cada vez mais perceptível - por enquanto, apenas regional, com recados claros de que não aceitarão ingerência americana no seu quintal - leia-se Mar do Sul da China. Mas a história mostra que uma das características dos períodos de transições hegemônicas é que, potências emergentes, uma vez que atingem o ápice econômico, começam a desenvolver interesses de domínio e expansão militar. Foi assim como todos os impérios.
O terceiro assunto deve ser o reforço, ainda maior, do poder do presidente Xi Jinping, desde 2017 equiparado ao todo-poderoso Mao Tsé-tung. No ano passado, ele lançou a chamada "estratégia da circulação dual", algo até agora pouco explicado, mas que, grosso modo, significa incentivos para o consumo doméstico - e não exportações - como propulsão para a economia. O PCC tem obsessão pelo desenvolvimento de uma China que nunca mais passe episódios de fome catastróficos. Mas, ao mesmo tempo, a formação de uma classe média e a ascensão de uma elite carregam em si as sementes de contestação que, a médio prazo, podem levar ao questionamento do próprio regime autoritário.