Na primeira onda da covid-19, o Paraguai se tornou exemplo de país que conseguiu conter a disseminação do coronavírus em uma América Latina que se consolidava como epicentro da pandemia.
Até 22 de junho, por exemplo, a nação vizinha apresentava 1.379 casos e 13 mortes, uma taxa de dois óbitos para cada milhão de habitantes, bem longe dos 210 por milhão no Brasil à época. O governo conseguira domar a covid-19 graças a rígidas restrições de deslocamento e ao fechamento de fronteiras, que transformaram o país, nas palavras do escritor paraguaio Augusto Roa Bastos em "uma ilha cercada por terra" no coração do continente.
Como pode, então, o Paraguai chegar a esse março de 2021 abalado por uma turbulência política que tem como motivo principal a suposta má administração da pandemia por parte do presidente Mario Abdo Benítez?
Parte da resposta é sanitária. A outra é política. Primeiro, a situação da covid-19 no país mudou muito de janeiro para cá, quando o número de mortos e infectados começou a aumentar drasticamente. Hoje, o país soma 169 mil infectados e 3,3 mil mortos. Na proporção, significa 23.617 casos para 1 milhão de habitantes e 465 mortos por 1 milhão. À medida que a curva epidêmica está em ascensão, o país vive uma realidade de superlotação de UTIs, faltam insumos médicos nos hospitais e centros de saúde e a nação sofre com o impacto da variante brasileira.
No meio de tudo isso, enquanto nações vizinhas, como o Chile, avançam na vacinação, o processo de imunização no Paraguai praticamente nem começou. O país vacinou apenas 0,02% da população. O governo até agora não apresentou nenhum plano nacional de vacinação. Só 4 mil doses da vacina Sputnik V chegaram ao país, e só outras 20 mil doses da Coronavac compradas do Chile chegaram em Assunção. A população, que agora exige o afastamento de Benítez - por renúncia ou impeachment -, questiona de que adiantaram as medidas de confinamento extremas, se o governo não fez a sua parte.
Na sexta-feira, com as ruas tomadas por manifestantes, em protestos que deixaram pelo menos 20 feridos, o presidente prometeu uma reforma ministerial. O primeiro a cair foi o titular da Saúde, Julio Mazzoleni. Na segunda-feira, o Partido Liberal Radical Autêntico (PLRA) ingressou no Congresso com pedido de julgamento político do presidente _ equivalente ao impeachment. Aí começa a parte política da resposta. O gesto da oposição é oportunista. Para a deposição do presidente são necessários 53 votos no parlamento. O PLRA tem 29. De novo, o fiel da balança será uma facção do Partido Colorado chamada Honor Colorado, liderada pelo ex-presidente Horacio Cartes. Por enquanto, esse grupo não apoia o impeachment.
Cartes foi fundamental para manter Benítez no poder em 2019, quando ele sofreu um processo de impeachment motivado pela revelação de um acordo secreto entre Brasil e Paraguai sobre energia gerada em Itaipu, que foi considerado prejudicial aos paraguaios. O termo acabou sendo cancelado, com o apoio do governo brasileiro, aliado ideológico de Benítez no Mercosul. Diferentemente do Brasil, processos de impeachment no Paraguai costumam ser muito rápidos. A destituição do ex-presidente Fernando Lugo, por exemplo, foi concluído em apenas dois dias. Por enquanto, as mudanças de Benítez parecem ter sido suficientes para mantê-lo no poder. Mas não se sustentarão se as vacinas não aterrissarem em Assunção. No Paraguai, o jogo costuma virar da noite para o dia.