Como enviado especial da RBS, vi, pessoalmente, a limusine de George W. Bush percorrer a Avenida Pensilvânia, no sentido Casa Branca-Capitólio, em Washington, em 20 de janeiro de 2009, quando o presidente que metera os Estados Unidos no maior atoleiro no Exterior desde o Vietnã estava a caminho de entregar o cargo para Barack Obama.
Mesmo Bush, demonizado por boa parte do mundo pelas guerras no Afeganistão e no Iraque e pelas mentiras das armas de destruição em massa de Saddam Hussein que contou, teve a dignidade de passar, de cabeça erguida, a administração ao sucessor e sair do governo pela porta da frente.
Não se pode dizer o mesmo de Donald Trump, o presidente que contribuiu, com seu negacionismo e inação, com a maior crise sanitária da história dos Estados Unidos, que governou com base em mentiras e teorias conspiratórias e, no epílogo do mandato, estimulou uma insurreição contra o Congresso.
Não veremos sua limusine percorrer a Avenida Pensilvânia a caminho do Capitólio, na próxima quarta-feira (20), porque Trump não irá à posse do sucessor.
Segundo o jornal The New York Times, ele deverá deixar a Casa Branca ao som de uma banda militar, com um tapete vermelho estendido até o helicóptero, que o levará direto para Mar-a-Lago, sua casa na Flórida, onde possivelmente fará um discurso para concorrer, em atenção e mídia, com o que estará ocorrendo nas escadarias do Capitólio.
Choca, mas não chega a surpreender.
Trump é como aquela criança mimada, dona da bola de futebol do campinho de várzea, que, quando o seu time leva um gol, a coloca debaixo do braço e a leva para casa, encerrando a partida. Mas o presidente deixará de transmitir o cargo, como manda a tradição, o bom senso e o respeito às instituições, não só porque desconhece a vitória de Joe Biden. Personalista, ele não suporta ser coadjuvante. Seu ego não permite. Trump, dentro ou fora do Salão Oval, precisa estar no centro das atenções.
Na quarta-feira (20), se observar pela janela do Marine One, enquanto sobrevoar o National Mall a caminho da Flórida, o presidente verá lá embaixo a Washington que deixa para trás: uma cidade dividida e temerosa da repetição das cenas de infâmia do dia 6 contra o Congresso.
Haverá as faixas de celebração da nova era política (nas quais não constarão seu nome), sim, mas, talvez mais visíveis, estarão os gradis e cercas a manter a distância milícias de apoiadores. Estarão fechados ruas e parques. Haverá restrição de deslocamento. Membros da Guarda Nacional estarão armados até os dentes e seus cães a postos ao lado de esquadrões especializados em antiterrorismo a perscrutar cada esquina para evitar atos de terrorismo doméstico.
Blindada por terra, água e ar, Washington estará transformada em um microcosmos dos Estados Unidos na era Trump que se encerra.