Do bairro Auxiliadora, em Porto Alegre, para Iowa, um dos principais Estados da disputa eleitoral americana. Fernando Brigidi foi diretor regional do Partido Democrata em Iowa, durante a campanha que culminou na eleição de Joe Biden como o presidente dos Estados Unidos. Aos 36 anos, morando em Nova York, onde fez mestrado em Administração Pública pela New York University, o gaúcho comandou um grupo de profissionais que ajudaram a eleger Biden, que toma posse na próxima quarta-feira (20).
Graduado em Administração na UFRGS, Brigidi concorreu como vereador em Porto Alegre, em duas ocasiões, 2008 e 2012, pelo MDB. Entre 2013 e 2015, atuou como secretário adjunto da Secretaria de Governança da Capital, durante a administração José Fortunati. Em seguida, mudou para Nova York, onde se engajou na campanha democrata, filiado a defesas de pautas LGBT+ e migração. A seguir, os principais trechos da entrevista concedida à coluna.
Como você se envolveu na política americana e com o Partido Democrata?
Me formei no mestrado em 2019. Quando o ano começou, pensei que tinha de procurar uma forma de entrar nas primárias (dos partidos) e sobre qual candidato eu queria me aproximar, trabalhar e no qual acreditasse. Entre fevereiro e março, comecei a ser voluntário em uma ONG em Nova York (New Pride Agenda), que tem um trabalho de identificar, treinar e financiar candidatos LGBT. Em vez de a gente ficar batendo na porta dos políticos eleitos, de tentar mudar a agenda deles, a gente tem de ser eleito. Vi Pete Buttigieg (primeiro candidato gay a vencer uma primária em uma campanha presidencial americana) na TV, em fevereiro. Ele tem um perfil conciliador, moderado, que acredito, de buscar acordos, coisas que nos unem mais do que nos dividem. O processo seletivo (para trabalhar na campanha) é completamente diferente do Brasil. Tu vais no site da campanha, preenche o formulário, manda o currículo e faz um processo seletivo tradicional, como na iniciativa privada. Não é tanto relação de indicação, de "quem conhece quem". Eu não conhecia ninguém na campanha.
Foi um trabalho remunerado?
É remunerado, com contrato de trabalho, plano de saúde, férias, licença saúde e licença maternidade para mulheres. É um contrato de trabalho normal, que vai até o dia da eleição. Comecei a trabalhar no verão, final de agosto. Meu primeiro posto era em Iowa. Passei seis meses tentando que meu currículo fosse visto. Desde que ele (Buttigieg) se lançou candidato, ele estava recebendo mais de mil currículos por dia. Pensava: "Quando vai chegar o meu?" Me chamaram para trabalhar em setembro. Me mudei para Iowa, a primeira primária do país. A primária é uma coisa incrível. Em vez de as pessoas irem no local de votação e votarem com uma cédula, no dia 3 de fevereiro, todos os democratas vão a um espaço comunitário, e têm de declarar o seu voto publicamente. Imagina um ginásio com vários "x" no chão, com os nomes dos candidatos. E tu caminhas até aquele ponto. O teu corpo é o teu voto. Viver aquilo foi incrível, democracia na prática.
Buttigieg ganhou em Iowa, tornando-se o primeiro candidato gay a vencer uma primária democrata, mas ele não avançou. E Joe Biden passou a ser o candidato. Como você começou a trabalhar para ele?
Quando os candidatos estão vendo que não irão ganhar, eles cancelam a candidatura e apoiam alguém. Em março, ele (Buttigieg) decidiu que não ia dar certo. Ele achava importante que se criasse um grupo de moderados forte e queria liderar esse processo. Declarou apoio a Biden. Eu estava fora havia quase oito meses, estava no Arizona. Já começava uma preocupação muito grande com a pandemia. Poucas semanas depois, Biden foi anunciado como provável candidato do partido, ganhou outras primárias. Ao mesmo tempo a campanha estava em stand-by, sem saber o que fazer. Aqui, há um formato de campanha comum, de bater à porta das pessoas. Também é possível cobrar a lista dos eleitores com os telefones. Então, é muito comum juntar 30 pessoas em uma sala para ligar para falar sobre o candidato. E eventos com o próprio candidato. Havia muita preocupação em como fazer a arrecadação de fundos sem eventos, com um candidato com 77 anos no meio de uma pandemia. A gente teve de adaptar toda a campanha. Em abril, maio e junho estava tudo meio parado, e eles estavam organizando a vida de Biden como pessoa, preocupados em construir um estúdio na casa dele, em como desenvolver uma campanha segura no meio de tudo isso.
Biden é um candidato que sempre se apresentou com um discurso de ser o presidente para todos os americanos, não apenas para quem votou nele.
Quais foram os desafios de fazer a campanha apenas pela internet, sem se encontrar com os colegas?
Fiquei com meu coração e pensamento em Iowa, mas fisicamente aqui (em Nova York). O Partido Democrata decidiu que não ia fazer eventos ao vivo por uma questão ideológica e porque não fazia sentido colocar os voluntários e a população em risco se a gente estava criticando o presidente por fazer isso. Toda a campanha foi remota, foi um processo desafiador para todo mundo que está acostumado a trabalhar em campanha. O que mais gosto (em uma campanha política) é a conexão com as pessoas: você conversa, abraça, há apertos de mão. E nada disso tinha. Era muito difícil manter a equipe motivada. Eu tinha 10 funcionários, responsáveis por recrutar voluntários para nos ajudar. E eles também estavam em trabalho remoto. Eu tinha funcionários nos quatro fusos horários do país. Até o horário da reunião eu tinha de cuidar para não marcar muito cedo, porque o pessoal da Califórnia não ia conseguir. Para a campanha como um todo, foi desafiador. A gente passava 12 horas na frente de um telefone, de um notebook, para falar com o eleitor. Às vezes, eu dizia: "Se o eleitor não está te atendendo, tenta pelo FaceTime, porque talvez se ele visualizar teu rosto, ele te atenda". Apesar de todos os desafios, deu certo. Biden é um candidato que sempre se apresentou com um discurso de ser o presidente para todos os americanos, não apenas para quem votou nele. Essa experiência de fazer tudo remoto agregou coisas novas a campanhas que provavelmente vão ser usadas no futuro.
O que pode ser aplicado em campanhas no Brasil?
A gente tinha voluntários com deficiência física que diziam que nunca poderiam participar de uma campanha, porque, antes precisavam ir ao vivo ao comitê. Também havia gente idosa que não podia dirigir à noite. Em geral, em Iowa, por causa de neve, tem gente idosa que não dirige depois que escurece. Foi muito legal porque as pessoas puderam participar. A campanha não era só para Biden, mas para todos os candidatos do partido. Então, foi legal ter uma visão dos candidatos a deputado estadual, federal, ao Senado e como todas essas campanhas interagem entre si. É diferente do Brasil. Aqui, a campanha é do partido e todo mundo trabalha junto. Se há um evento de um (candidato), todos vão. A gente tenta não competir internamente.
Quais são os próximos passos? Há convite para trabalhar no governo Biden?
Eu queria essa transição para a política dos EUA. Foi uma campanha histórica. Eu enxergava essa campanha como a mais importante do mundo. O que aconteceu aqui e o próximo presidente influenciam o mundo, a política do Brasil. Biden tem um discurso moderado, que acaba repercutindo no resto do mundo, porque muita gente olha para cá como referência. Especialmente em relação ao clima, vai haver uma relação importante com o Brasil. Tenho orgulho e satisfação de ter feito parte disso. O mundo estava indo para um caminho com o qual não concordo e, agora, vai mudar para uma coisa mais aproxima do que acredito. Nos próximos meses, tenho focado em trabalhar em algo no qual possa atuar com relação aos direitos dos imigrantes, reforma do sistema migratório e direitos da comunidade LGBT.
Ele (Biden) é uma pessoa respeitadora, afetiva, carinhosa, séria e trabalhadora. Falava sempre de forma muito positiva e otimista com o futuro do país e do Partido Democrata. Será um grande presidente.
Com relação a diversidade e bandeiras LGBT, como pensa que pode mudar essas questões na gestão Biden?
Vai mudar muito. Até agora, 52% da equipe do Biden na área sênior é composta por mulheres. Ele anunciou toda equipe de comunicação formada apenas por mulheres. Não deveria ser surpreendente, mas tu olhas todas as fotos e são mulheres. A gente já viu várias com todas sendo de homens e nunca achou estranho. É um passo à frente. O fato de Biden ter citado no discurso de vitória a comunidade trans também é importante. Foi a primeira vez que um presidente americano eleito cita a comunidade trans, que normalmente fica para trás. Na pauta de migração, o que está acontecendo na fronteira, com crianças afastadas de seus pais ou que viraram órfãs por uma ação do Estado, certamente vai mudar. São pequenos sinais de um discurso que não é inflamatório. Muitas vezes já ouvi Biden falando que irá trabalhar para todos, não apenas para quem votou nele. Se a gente não conseguir romper a polarização, não consegue fazer nada. Nesses primeiros sinais, já demonstra que está no caminho certo. Cerca de 40% da equipe dele é formada por pessoas não brancas. No meio de todas essas discussões sobre racismo, xenofobia, é importante ele dar esses sinas. Mulheres, negros, asiáticos, latinos, todas essas comunidades estão representadas no governo.
Depois dessa experiência, você pensa em seguir carreira política no Brasil?
A experiência que estou tendo aqui poderia contribuir muito com o Brasil, mas os EUA e Nova York são minha casa. Eu sou casado (há quatro anos e meio, com um canadense, Steve), minha irmã se mudou para cá, meu futuro é aqui. Mas tem muitas coisas positivas sobre os EUA que poderiam contribuir para o debate no Brasil. E espero que a eleição de um candidato moderado seja a primeira delas.
Você chegou a se encontrar com Biden?
Eu o encontrei durante as primárias várias vezes. Nesse período, todos estão em Iowa o tempo inteiro, então eu tinha vários eventos com todos os candidatos do partido. Mas, depois que ele virou candidato oficial, não.
Que impressão teve de Biden?
É de uma pessoa respeitadora, afetiva, carinhosa, séria e trabalhadora. Várias vezes, a gente estava com o Pete (Buttigieg), e ele (Biden) chegava e cumprimentava todo mundo, falava sempre de forma muito positiva e otimista com o futuro do país e do Partido Democrata. Assisti alguns discursos dele nesses eventos com todos os candidatos e sai sempre muito feliz. Será um grande presidente.