Antes de tudo: não, não haverá golpe nos Estados Unidos, como muitas pessoas chegaram a imaginar.
O presidente Donald Trump ainda não reconheceu a derrota para o presidente eleito, Joe Biden, e talvez nunca o faça porque seria um gesto demasiado grande para o tamanho de seu ego. Mas Trump, sob pressão ainda que tardia de correligionários e empresários que entraram em cena pedindo que o presidente destrave a transição, não colocará em risco (mais do que já colocou) a institucionalidade do processo.
Nesta segunda-feira (23), por meio de um tuíte (claro!), recuou: "Nossa causa continua com força, continuaremos lutando, e acho que prevaleceremos. Mas no interesse de nosso país recomendo que Murphy e sua equipe façam o que se tem de fazer em relação aos protocolos iniciais, e disse a minha que faça o mesmo", disse Trump.
Referia-se a Emily Murphy, administradora da General Service Administration (GSA, órgão encarregado da administração federal). E, sem citar explicitamente o processo de transição, referia-se ao mesmo ("O que tem de ser feito").
Ainda que tenha desdenhado da tradição republicana de "conceder"a vitória ao rival (leia-se reconhecer a derrota), Trump tentou questionar o resultado das urnas usando de vias legais. Um a um, entretanto, foi perdendo os processos - ou na Justiça ou nas recontagens em alguns Estados, que, mesmo após a reavaliação, seguiam dando Biden como vencedor (Michigan na segunda-feira, 23, e Geórgia, na sexta, 20, por exemplo).
Nos últimos dias, o Partido Republicano, até agora refém da popularidade de Trump, enfim, resolveu fazer valer o peso da legenda de Abraham Lincoln em nome da institucionalidade. Vários de seus membros passaram a pressionar o presidente a desbloquear o processo. Destaque para a atuação de nomes como dos senadores Lamar Alexander, do Tennessee, Robert Portman, de Ohio, e Shelley Moore Capito, de Virgínia Ocidental - os dois últimos romperam com Trump, pedindo que Biden passasse a receber informações sobre o coronavírus.
Mais de 160 empresários também se uniram à pressão para evitar turbulências no mercado. A transição é regulamentada por lei - ou seja, se Trump insistisse em travar o processo estaria cometendo um ato ilegal - e, por tabela, colocando em risco a segurança dos Estados Unidos.
O alerta soou depois que Trump, sem sucesso na Justiça ou nas recontagens, passou a uma estratégia mais ousada, não convencional e que soou como golpe: sua campanha vinha sugerindo aos legisladores em Estado em que os republicanos têm maioria que, à luz das alegadas fraudes, ignorassem o resultado das urnas e apontassem delegados pró-Trump mesmo onde Biden venceu. Seria uma manobra arriscada, mas não impossível. Isso retiraria dos eleitores o poder de indicar os delegados e o daria aos legislativos estaduais - seriam necessários pelo menos três Estados para reverter o número de delegados totais de Biden.
A manobra não é usada há mais de cem anos, mas, em 2000, foi reafirmada como constitucional pela Suprema Corte diante do imbróglio da eleição. Essa estratégia era defendida por aliados mais radicais de Trump, adeptos de teorias de conspiração e dispostos a ir até as últimas consequências para garantir o poder.
Não se chegou a tanto.
Trump capitulou. E, apesar de ter tentado, por 16 dias, colocar em dúvida o sistema eleitoral americano e, por tabela, as instituições, a democracia americana está de pé