O rolezinho de Donald Trump pelas cercanias do Hospital Militar Walter Reed, no domingo (4) é símbolo da irresponsabilidade com que o presidente tratou e, mesmo doente, continua tratando a pandemia de coronavírus. Não eram suficientes os vídeos que sua equipe divulgara pelo Twitter, na busca de pôr ordem na casa - e tentar desmentir informações desencontradas - depois das trapalhadas que ela próprio provocou no dia anterior sobre o real estado de saúde do líder da nação.
Egocêntrico, revoltado como sempre com a cobertura da imprensa quando não lhe convém, Trump queria aparecer em público. Sem empatia, colocou em risco sua equipe do serviço secreto. Abandonou o confinamento. Largou o tratamento para acenar por alguns minutos a bordo de seu SUV por Rockville Pike em uma voltinha que médicos ouvidos pela rede CNN consideraram "tudo, menos segura". Nada muito diferente do comportamento que adotara até quinta-feira (1º), em comícios em locais fechados, próximo a eleitores e sem máscara. A diferença é que, agora, há a confirmação de que o presidente está com covid-19.
No domingo (4), os mais expostos foram o motorista e o agente que estavam no carro com Trump, usando máscaras, mas sem distanciamento mínimo seguro do paciente em uma versão americana da protagonizada pelo presidente Jair Bolsonaro no dia em que, próximo a repórteres, anunciou que estava com covid-19 - e quando, para provar supostamente que estava bem, afastou-se alguns metros e, irresponsavelmente, retirou a máscara.
A decisão do presidente americano de deixar as dependências do centro médico foi uma ideia dos assessores mais próximos de Trump, entre eles o chefe de Gabinete, Mark Meadows (ele próprio um dos protagonistas da lambança de sábado, quando passou à imprensa informações que contrariavam a equipe médica), e o assessor de Mídias Sociais Dan Scavino. Os agentes do serviço secreto até podem dizer não a uma ação do presidente, caso ela coloque o chefe em risco - mas não têm autorização para contrariá-lo quando o perigo ronda eles próprios. Assim, em off, também para a CNN, alguns comentaram.
- Isso nunca deveria ter acontecido - disse um agente, que trabalha na equipe do presidente, acrescentando que os colegas que participaram da comitiva serão colocados em quarentena.
- A frustração com a forma como somos tratados quando se trata de decisões sobre essa doença remonta a antes disso. Não somos descartáveis - destacou.
- Você não pode dizer não (ao presidente) - acrescentou outro agente.
A Casa Branca afirma que todos os protocolos de segurança foram obedecidos. Mas uma frase de Trump, antes de sair para a voltinha de carro, dá uma ideia de como ele pretende tratar o tema do vírus quando sair do hospital:
- Eu aprendi realmente indo à escola. Isso aqui é a escola real - disse, no vídeo divulgado pelo Twitter, dando a entender que, agora, tendo passado pelo coronavírus como vítima teria, aprendido a lidar com a doença.
Sinal de que, recebendo alta, dificilmente mudará seu comportamento em relação à pandemia. Diferentemente do primeiro-ministro britânico, Boris Johnson, que passou a encarar a gravidade da doença como ela precisa ser tratada, Trump usará sua experiência, caso saia bem, como uma prova de que a covid-19 ainda, na sua visão, não passa de uma gripezinha.