Já comentei aqui que o próximo livro de Bob Woodward, o segundo sobre o mandato de Donald Trump, deve ser o mais revelador sobre os quatro anos do republicano na Casa Branca - isso pelo pouco que se sabia, inicialmente, quando a principal novidade eram as cartas trocadas com o ditador da Coreia do Norte, Kim Jong-un.
"Rage" ("Raiva"), que chega às livrarias americanas na semana que vem, entretanto traz revelações ainda mais bombásticas, que já causam constrangimento no governo, antes mesmo de seu lançamento. The Washington Post (onde Woodward trabalha) e rede CNN tiveram acesso à obra antecipadamente. E a principal informação, divulgada nesta quarta-feira (9), dá conta de que Trump teria minimizado intencionalmente a gravidade da pandemia para não causar pânico.
No livro, o jornalista explica que conversou com o presidente em 7 de fevereiro. Dez dias antes, Trump havia sido informado por assessores da gravidade da doença. "Você apenas respira o ar e é assim que (o vírus) passa", disse ao repórter. Na época, entretanto, Trump afirmava publicamente que a pandemia não era tão grave e que o coronavírus não era mais perigoso do que uma gripe comum.
Em 19 de março, Woodward e Trump voltaram a conversar. Ao telefone, o presidente parecia assustado: "Agora, está sendo revelado que não só pessoas idosas, Bob. (...) Pessoas jovens também, muitas pessoas jovens", disse. Na sequência, a frase mais reveladora: "Eu sempre quis minimizar (a pandemia). Eu ainda prefiro minimizar, porque não quero criar pânico".
Trump saberia, no mínimo, desde o dia 28 de janeiro da gravidade da doença. Naquela ocasião, ainda segundo o livro, ele teve uma reunião com o subconselheiro de Segurança Nacional, Matthew Pottinger, segundo o qual informações provenientes da China indicavam uma gravidade comparável à gripe espanhola, que deixou cerca de 50 milhões de mortos em 1918.
O presidente só mudou seu discurso no final de março, quando passou a alertar publicamente sobre a gravidade da situação. Mas, mesmo depois, em outras conversas com Woodward (foram 18 entrevistas, todas gravadas com autorização de Trump), ele sustentava a posição de que não tinha responsabilidade pelo impacto do coronavírus em seu país - e acusava a China pelo problema.
Mas por que Trump teria conversado tanto com Woodward? Para responder a essa pergunta, basta ler o primeiro livro do jornalista, "Fear" ("Medo"), lançado em 2018, que aborda a campanha e o primeiro ano de mandato, e entender um pouco de como funciona a psiquê do presidente. Trump é vaidoso ao extremo e, apesar de atacar diuturnamente a imprensa, ele é um consumidor voraz de notícias – constrói a imagem de seu governo a partir do que vê no noticiário, em especial na TV a cabo. Essa obsessão com a maneira como é percebido pelo público o levou a episódios curiosos, que beiram a ficção, como quando anunciou que compraria a Groelândia da Dinamarca ou quando disse que gostaria de ter seu rosto esculpido no Monte Rushmore - ao lado de George Washington, Thomas Jefferson, Theodore Roosevelt e Abraham Lincoln.
O último ano de mandato é o período em que os presidentes se dedicam a construir seu legado - e não há melhor forma do que fazê-lo permitindo que o melhor jornalista de política dos EUA, Woodward, escreva seu perfil - até porque, ele o faria com ou sem a permissão de Trump. Woodward, que tem se dedicado a documentar a história dos presidentes americanos quase em tempo real, tem tantas fontes da Casa Branca, desde Watergate, que a entrevista com Trump seria mera formalidade, apenas a cereja do bolo. Como se vê, não foi.