Nascido no Estado de Montana e crescido na Califórnia, o novo cônsul-geral dos Estados Unidos em Porto Alegre é um entusiasta do Brasil, país que conheceu há mais de 20 anos e no qual trabalhou em sua carreira anterior à diplomacia, como escritor de livros de viagens. Aos 48 anos, Shane Christensen exibe português perfeito.
Em entrevista exclusiva à coluna, por videochamada, ele comenta os desafios de chegar ao posto no momento em que a pandemia une EUA e Brasil como os únicos países com mais de 100 mil mortos por coronavírus e em que há restrições de viagens entre as nações.
- Sei que esse é um período difícil para Porto Alegre _ afirma. - Temos como prioridade a saúde e também devemos restaurar nossas economias.
No comando do consulado em substituição a Julia Harlan, que reabriu a representação diplomática na Capital após 21 anos, Christensen estabeleceu três prioridades: ajudar o Brasil a combater a pandemia, aprofundar a cooperação econômica e comercial entre os Estados Unidos e o sul do país e fortalecer os laços entre os dois países.
Feliz com nova função, ele vê com otimismo o momento das relações entre os dois países:
- As relações com Brasil estão mais fortes do que nunca.
Antes de assumir o posto na capital gaúcha, Christensen foi chefe de Gabinete do Escritório para Assuntos do Hemisfério Ocidental do Departamento de Estado norte-americano, instrutor de liderança e negociações no Instituto de Serviços Estrangeiros dos EUA (U.S. Foreign Service Institute) e oficial sênior no setor de Comunicação e Gestão de Crises do Departamento de Estado. No Exterior, serviu nas embaixadas dos EUA na Cidade do México, Havana e Cabul, nas Missões dos EUA nas Nações Unidas, em Nova York, e na Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), em Paris, e no consulado geral dos EUA em Dubai.
É formado em Ciência Política pela Universidade da Califórnia em Berkeley e mestre em Relações Internacionais e Administração Pública pelas universidades de Cambridge e Harvard. Além do português, ele fala espanhol, francês e um pouco de farsi. A seguir, os principais trechos da conversa com GaúchaZH.
Primeiramente, gostaria que o senhor se apresentasse aos gaúchos.
Tenho muita sorte de poder vir morar nessa região, em Porto Alegre, que tem uma cultura única e rica, uma economia dinâmica e um excelente padrão de vida. Estou superempolgado por estar em seu país. Sou originalmente da Califórnia, e durante os últimos anos vivi em Washington, onde está minha família. Tenho uma esposa, que nasceu na Austrália, e dois filhos, um menino de quatro anos e meio, e uma filha de dois anos e meio. Eles virão para o Brasil provavelmente no final de setembro. Trabalho como diplomata americano há 20 anos. Por muitos anos, o Brasil foi o país em que eu mais queria trabalhar como diplomata.
Quando vim ao Brasil pela primeira vez, há 25 anos, como escritor de livros de viagens, percebi um país fantástico. Adorei a alegria, a espontaneidade e a hospitalidade dos brasileiros.
Por quê?
Quando vim ao Brasil pela primeira vez, há 25 anos, como escritor de livros de viagens, percebi um país fantástico. Adorei a alegria, a espontaneidade e a hospitalidade dos brasileiros que conheci. Me senti inspirado pelo calor e pela energia das pessoas que conheci. Voltando ao Brasil, depois de todos esses anos, sinto novamente essa inspiração. O Brasil é um parceiro crucial para os Estados Unidos. E o que podemos fazer juntos acho que é limitado apenas pela nossa imaginação.
Como foi o trabalho como escritor de livros de viagens, algo pouco comum para um diplomata?
Foi meu último trabalho. Sempre quis viajar, conhecer culturas, aprender novos idiomas e isso foi uma maneira legal de fazê-lo. A primeira viagem que fiz foi para o sul da França. Depois, nos EUA, no México, no Uruguai e na Argentina, muitos lugares. Uma vez vim ao seu país, fui a Minas Gerais. Conheço Belo Horizontes, Tiradentes, Ouro Preto.
Depois de escritor, entrou na carreira diplomática?
Isso. De certa maneira, são trabalhos parecidos. A oportunidade de viajar, conhecer pessoas, abrir a mente para novas ideias.
O senhor trabalhou como diplomata em Cabul, no Afeganistão. Como foi?
Foi uma experiência muito interessante. Estive lá em 2003 e 2004, quase no começo da guerra. Faz muito tempo, e muitas coisas tem mudado desde aquele momento. Fui assistente de nosso embaixador, estava lá realmente para assisti-lo, para a preparação de suas reuniões e viagens. Foi há muitos anos. Nos últimos anos, minha concentração era a América Latina. No ano passado, fui chefe de Gabinete do departamento responsável para a América Latina e minha função era garantir que nossa secretária assistente fosse capaz de implementar sua agenda política. Esse Departamento de Assuntos do Hemisfério Ocidental promove os interesses dos EUA na região e desenvolve parcerias com países, pessoas, setor privado, sociedade civil e outros atores em todas as Américas para expandir a prosperidade econômica, fomentar a segurança dos cidadãos e fortalecer as instituições democráticas. Tive a chance de fazer muitos trabalhos superinteressantes.
O que o senhor sabia sobre o sul do Brasil antes de assumir o posto como cônsul-geral em Porto Alegre?
Eu não viajei muito pelo sul do Brasil, mas, no ano passado, com a secretária assistente estive por um dia em Porto Alegre. Eu sabia que a reabertura do consulado reflete o crescente relacionamento entre nossos países. Quando eu vi que havia a oportunidade de ser cônsul-geral aqui, fiz o máximo possível para conseguir o posto. Me considero extremamente privilegiado por ter sido escolhido para essa missão. Sobre o Brasil em geral, e a razão pela qual queria vir trabalhar aqui, acho que temos uma oportunidade que nunca tivemos antes. Entramos em uma nova era significativa das relações bilaterais e, hoje, podemos dizer que nossas relações estão mais fortes do que nunca. Nossos países são as duas maiores democracias e economias hemisfério ocidental.
Eu sabia que a reabertura do consulado reflete o crescente relacionamento entre nossos países. Quando eu vi que havia a oportunidade de ser cônsul-geral aqui, fiz o máximo possível para conseguir o posto. Me considero extremamente privilegiado
O senhor chega em um momento de pandemia, em que há restrições de viagens entre EUA e Brasil. Quando acha que as fronteiras serão reabertas?
Estamos vivendo um momento bem difícil. Sei que esse é um período difícil para Porto Alegre. Tanto EUA quanto o Brasil, como países continentais, continuam com altos índices de casos (de covid-19). Entendo como é difícil tomar uma decisão sobre quando e como reabrir a economia, quando os casos de covid-19 continuam, ou quando abrir a fronteira também. O que posso dizer é que no consulado dos EUA continuamos enfatizando a necessidade de manter distanciamento social, usar máscaras e lavar as mãos regularmente. Isso vai continuar sendo meu forte conselho a todos da minha equipe. Mas, além disso, EUA e o Brasil são grandes parceiros e têm uma longa e produtiva história de colaboração na área de saúde. Estamos totalmente comprometidos em ajudar o Brasil no combate à pandemia. Dou dois exemplos: primeiro, os EUA anunciaram a criação de um fundo para financiar iniciativas do setor privado voltadas a mitigar os impactos socioeconômicos da covid-19 sobre as populações urbanas e rurais, mais vulneráveis no Brasil. Empresas americanas também mostraram grande engajamento com as comunidades, por meio de parcerias e doações.
Tanto EUA quanto o Brasil, como países continentais, continuam com altos índices de casos (de covid-19). Entendo como é difícil tomar uma decisão sobre quando e como reabrir a economia, quando os casos de covid-19 continuam, ou quando abrir a fronteira também.
Brasil e EUA estão também irmanados na dor, dois países em que o número de mortos passa de 100 mil. Qual a sua opinião sobre como os governos estão lidando com esse desafio?
Acho que é bem difícil, como países continentais e com sistemas de governo onde o poder é devolvido para os Estados e municípios. É muito mais difícil para nossos países, realmente. E, como falamos, é difícil também decidir. Temos como prioridade a saúde e também devemos restaurar nossas economias. Sei que encontrar esse equilíbrio é difícil para cada líder.
Nos anos 1990, o consulado dos EUA foi fechado em Porto Alegre. Houve uma ausência de 21 anos até a reabertura. Durante a gestão da sua antecessora, Julia Harlan, houve um período de retomada de laços: mais de 130 mil de vistos expedidos, trocas de conhecimento na área de segurança entre as polícias, entre outras atividades. Qual vai ser a sua marca?
Tenho três prioridades: ajudar o Brasil a combater a pandemia, aprofundar a cooperação econômica e comercial entre os Estados Unidos e essa região especificamente e fortalecer os laços interpessoais entre os dois países. Isso vai ser o meu foco durante os três anos aqui.
Sobre trocas comerciais, há grandes empresas americanas no Rio Grande do Sul. Como vê a possibilidade de ampliar esses investimentos?
Reconheço que o Rio Grande do Sul é uma região muito especial do Brasil, com história e cultura únicas. Nasci em Montana, Estado conhecido pelos seus céu amplo, fazendas de gado e vaqueiros. Por isso, sinto que já tenho uma conexão com a cultura gaúcha. Os EUA são a principal fonte de investimento estrangeiro direto aqui e o principal destino das exportações brasileiras de bens e serviços de valor agregado, que geram emprego. Nossos presidentes se comprometeram em reduzir as barreiras comerciais e facilitar os investimentos em diversos setores, especialmente energia, infraestrutura, agricultura e tecnologia. Aqui no Sul, os EUA e nosso consulado vão priorizar o aumento do comércio agrícola, bem como a colaboração e investimentos no setor de tecnologia. Vou reunir minha equipe para fazer uma análise para entender os desafios e oportunidades que existem nessa região e, depois, vamos desenvolver uma estratégia comercial e econômica.
E com relação à educação e cultura, o que o senhor planeja?
O governo americano oferece uma série de projetos visando a troca de experiências entre brasileiros e americanos. Muitos profissionais gaúchos e catarinenses já participaram de programas como o IVLP (Programa Internacional de Liderança de Visitantes). Jovens líderes puderam conhecer a cultura e a sociedade americana sendo parte do Jovens Embaixadores, e alunos e professores de escolas públicas e universidades puderam aprimorar o estudo do inglês ao receberem um professor convidado dos Estados Unidos. Quero ampliar essas iniciativas desenvolvidas pela minha antecessora para aprofundar nossa conexão com o Rio Grande do Sul e Santa Catarina. Espero que essas oportunidades cheguem ao maior número possível de comunidades, mostrando que estamos presentes, nos preocupamos e queremos fazer parcerias com os gaúchos e catarinenses para beneficiar ambos os nossos povos.
Em menos de 80 dias haverá eleições presidenciais nos EUA. Os presidentes Donald Trump e Jair Bolsonaro têm um relacionamento pessoal muito próximo. O senhor acha que a relação entre os dois países pode mudar se houver uma vitória de Joe Biden?
Prefiro não falar sobre temas polêmicos ou de hipóteses, mas uma coisa que posso dizer sobre isso é que os dois países têm uma relação institucional forte e sustentável. Essa relação existe por muitos anos, é uma parceria duradoura.
Está acima das mudanças eventuais?
Exatamente.