Quem leu o excelente livro "Sobre a China", de Henry Kissinger, arquiteto da reaproximação entre os Estados Unidos e o gigante asiático, nos turbulentos anos 1970, sabe que a política externa do país do Extremo Oriente baseia-se no princípio de não ser um desestabilizador do sistema internacional. Por isso, Pequim costuma minimizar disputas de poder, evita tensões em busca de preservar sua imagem como potência responsável.
Isso significa que, fosse alguns anos atrás, a China teria feito ouvidos moucos à decisão americana de fechar o consulado de Houston. E encerraria o papo ali, deixando o oponente falando sozinho.
Mas esta não é a China que tem se apresentado ao mundo de cinco anos para cá. E a reação à medida do governo Donald Trump veio baseada na reciprocidade: na sexta-feira (24), Pequim ordenou que os EUA fechem o consulado de Chengdu, onde mais de 200 funcionários trabalham.
A um primeiro olhar, ação e reação trazem embutidos riscos de escalonamento da tensão - o próximo passo, seria um dos governos ordenar ao outro que cerre a embaixada e, ato contínuo, o rompimento de relações diplomáticas.
Mas há algo mais sutil como efeito colateral. O fechamento de um consulado limita o conhecimento que uma nação tem da outra. E o desconhecimento, sabe-se, gera a desconfiança, combustível de monstros reais ou imaginários.
Uma representação diplomática é um canal importantíssimo para aparar arestas, esclarecer mal entendidos. Muitos conflitos ao longo da história morreram antes do primeiro tiro graças a um telefonema ou, antigamente, a um telegrama diplomático.
A despeito do rugir dos líderes, Estados Unidos e China são dependentes entre si. Desde os anos 1970, os americanos foram fiadores da entrada dos chineses no sistema internacional. Desde o ingresso da China na Organização Mundial do Comércio (OMC), em 2001, as duas economias se aproximaram cada vez mais. Em 2018, antes de Trump iniciar a guerra comercial, a China era o maior parceiro comercial dos americanos - hoje é o México. Muitas grandes empresas americanas dependem da China. E vice-versa.
Embora Pequim prefira o baixo perfil na diplomacia, a postura mais assertiva do governo Xi Jinping, que volta e meia flexiona músculos militares, também torna difícil recuar ou não responder às provocações de Washington. Se uma ação americana terá uma reação, a resposta, em algum momento, pode servir de justificativa para uma réplica ainda mais forte. Eis a armadilha. Sem os diplomatas no terreno, o caminho fica aberto para o confronto.