Do ponto de vista das relações internacionais, há duas formas de se olhar para a corrida pela descoberta de uma vacina contra o coronavírus. Uma delas é otimista: nunca tantos pesquisadores colaboraram tanto entre si, trocaram tantas informações, e tampouco laboratórios receberam montantes de dinheiro em tão pouco tempo. O esforço de cooperação global para se encontrar a única solução que nos livrará desse sufoco possivelmente é o maior projeto científico da história. Passa de 14 mil a quantidade de pesquisas acadêmicas sobre a covid-19, quatro vezes mais do que todos os demais estudos para todas as doenças humanas.
A outra forma de se olhar a busca pela vacina é pessimista - e não estou falando de prazos para que se alcance um produto confiável, o que, por si só, , infelizmente, parece que não será tão breve. A questão é: uma vez descoberta a vacina, quem receberá a imunização primeiro? Como será a distribuição? O acesso será universal? Quem pagará a conta?
Estados são como seres humanos, que, diante da crise ou reagem de forma cooperativa ou egoísta. Como já observamos na guerra por máscaras e respiradores, a pandemia faz aflorar seu lado sombra, com governos fazendo leilão de equipamentos na pista de aeroportos e outros retendo em alfândegas mercadorias que podem definir entre a vida e a morte.
Indícios do próximo round da ganância que virá, quando a vacina chegar, já aparecem. As declarações da gigante farmacêutica francesa Sanofi de que iria priorizar os Estados Unidos caso encontrasse uma vacina contra o coronavírus (porque o governo americano investe mais nas pesquisas) geraram indignação por parte do governo de Emmanuel Macron e da Comissão Europeia que defendem que o acesso deve ser universal. Após a polêmica, a empresa recuou e se comprometeu a tornar uma potencial vacina acessível a todos.
Além da França, Reino Unido, Alemanha, Estados Unidos, Israel e China têm estudos avançados nesse sentido. Quem conseguir primeiro, não há dúvidas, de que irá privilegiar sua população - e depois a venderá a peso de ouro para os demais. Em meio à disputa, os Estados Unidos acusaram a China de tentar espionar seus pesquisadores dedicados ao combate ao coronavírus. Conforme a acusação, mais um round da disputa geopolítica entre os dois gigantes, o governo chinês estaria usando hackers, estudantes ou pesquisadores para obter dados sobre a vacina, tratamentos ou sobre novos testes de diagnósticos. A China respondeu chamando a acusação de calúnia.
Com quase 300 mil mortos e 4,2 milhões de infectados, o planeta testemunhará não apenas uma corrida por vacina pelo bem da humanidade. Mas por dinheiro e poder. Vacina virou arma da geopolítica nessa nova ordem mundial que está se desenhando.