O coronavírus chegou aos Estados Unidos no momento em que o país discutia se o candidato democrata à presidência seria Bernie Sanders ou Joe Biden.
Entre os republicanos, o nome inconteste é Donald Trump, como é tradição americana da reeleição de seus presidentes. A pandemia bagunçou tudo e jogou a estratégia da oposição no lixo, na opinião do professor Leonardo Paz Neves, do Núcleo de Prospecção e Inteligência Internacional da Fundação Getúlio Vargas (FGV). Em entrevista à coluna, ele fala sobre o impacto dos mortos e os riscos à economia na maior potência do planeta.
Que impacto do coronavírus pode ter na campanha eleitoral americana?
Todo o plano que os democratas tinham para essas eleições foi para o lixo. Tudo o que eles tentaram se organizar, as críticas que poderiam fazer, tudo o que queriam para colocar Trump na berlinda: que foi um presidente irresponsável na questão da Ucrânia, do impeachment que não ocorreu, do mau uso do dinheiro. Tudo ficou de lado agora. Tudo indica que as próximas eleições serão um grande plebiscito para saber se Trump conduziu bem ou não os EUA nessa nova grande crise. Ele já entendeu isso, todo saldo positivo possível ele vai tentar tirar. Ele já está dizendo que é um presidente em tempo de guerra, que é um grande líder ou coisa parecida. Ele já entendeu que tem que passar para as pessoas que, seja lá o acontecer nessa crise, todas as coisas boas partiram dele. E os democratas estão meio desesperados, tentando entender como vão lidar com isso. Uma situação em que tem de torcer para o país não acabar, para as coisas não irem mal, mas, ao mesmo tempo, tem de ir mal, porque se forem bem, o Trump ganha. É um pouco o cálculo deles, uma escolha de Sofia bem difícil.
Ele está cada vez mais usando o federalismo americano, soltando na mão dos governadores, dando mais poderes a eles, para que se organizarem, dizendo: “Esse problema é de vocês”
Embora tenha mudado de atitude nos últimos dias, aceitando a necessidade de isolamento, Trump adota uma atitude semelhante a do presidente Jair Bolsonaro, culpando os governadores.
Ele está transferindo a responsabilidade para os governadores de maneira interessante. Tem uma entrevista dele, de umas duas semanas, na qual alguém pergunta se, diante de toda a situação, ele assumiria responsabilidades. Ele diz: “Não, não assumo responsabilidade alguma”. Ele está cada vez mais usando o federalismo americano, soltando na mão dos governadores, dando mais poderes a eles, para que se organizarem, dizendo: “Esse problema é de vocês”. Imagino que ele sabe, e o staff dele sabe, que o problema dessa pandemia acerta na ponta: são as prefeituras e governos estaduais que mais sofrem com isso porque as pessoas vão para o hospital, empresas que estão quebrando são restaurantes. É esse pessoal que vai sentir o problema, ele não. O negócio dele é oferecer um pacotão e deixar o barco andar.
Prognósticos falam em até 200 mil mortos pela pandemia nos Estados Unidos. Mesmo assim, Trump conseguiria tirar proveito eleitoral da crise?
A gente não sabe ainda o tamanho do estrago que vai ser. É bem o caso do Brasil, a gente não tem ainda o tamanho do impacto que a pandemia vai ter nos EUA e no Brasil. Os dois demoraram para reagir. Trump falou: “Se houve entre 100 mil e 200 mil mortes mostra que consegui conter a crise”. Isso porque o maior número de mortos da história recente dos EUA foi a Segunda Guerra Mundial, algo como 290 mil soldados.
O cálculo é que seria ele teria se saído bem, se ficar abaixo de 290 mil mortos, então?Exatamente, essa aqui é uma crise que equivale à Segunda Guerra Mundial. Na mente dele, se morrer menos gente, ele foi um grande líder. Ele já está calculado que, se morrer 200 mil, ele já é um campeão. Primeiro era uma gripezinha, agora ele está falando que, “se chegar a 100 mil a gente conseguiu evitar uma tragédia”. Então, ele está tentando mudar a narrativa para tentar, independentemente do impacto, sair-se bem. Ele é muito genial em criar uma narrativa. Ele consegue, de forma genial, fazer com que as pessoas realmente acreditem que a culpa pelo vírus é da China, que a China segurou a informação, todos os males que vão acontecer agora a culpa é da China. Ele é muito bom, muito hábil, na criação de narrativa e tem muita gente que vai comprando essa ideia. Muita coisa vai depender do impacto real dessa pandemia, quantas pessoas vão morrer e o quanto a economia vai afundar e o quanto ele vai conseguir moldar a narrativa para dizer: “Tudo o que deu certo fui eu que fiz, tudo que deu errado foram os governadores. Se tudo junto der errado, a culpa é da China”. Se grande parte das pessoas concordar com isso, que eles tem que culpar os chineses porque eles trouxeram o vírus, esconderam a informação e os governadores que lidaram mal com isso na ponta, ele se sai mais ou menos bem.
Já se falava em recessão no horizonte, embora a economia poucas vezes estivesse tão bem nos Estados Unidos antes da pandemia. E se a situação piorar?
A economia de um país não é um negócio como na sua casa, que no dia seguinte a você ganhar o aumento, e seu salário triplica, e você pode comprar um carro novo, trocar o apartamento. Em política econômica, demora para o efeito chegar e, quando chega, não foi responsabilidade do cara que está na cadeira agora. Trump pega a economia mais ou menos organizada. Não é o caso de dar os louros para Barack Obama, mas ele já pega uma casa organiza, surfa nessa onda e, como todo líder, o que está sendo feito de maravilhoso é graças a ele, se fosse ruim, seria culpa do passado. O problema é que ele vai adotando uma série de medidas liberalizantes, que aumentam o déficit. Há o problema grave de despesas ultramarinas, com tropas, guerras e tudo mais. Ele tenta dar um choque liberal na economia, corta impostos, diminui receita, fica claro que, em um futuro próximo, essa conta não ia fechar. Mas, quando você está falando de governo, quando faz uma besteira no ano 1, o resultado só aparece no ano 4, 5, 6, 7. Não sei se haverá recessão, mas certamente vai haver um golpe no crescimento. Se fosse de fato haver recessão ou baixa grave no crescimento, agora é irrelevante, agora, para Trump, a culpa é do vírus. Ele deu muita sorte nesse aspecto. Se o prognóstico de alguns economistas estivessem certo, de que uma crise estaria chegando, agora ele pode culpar a pandemia.