Do recrudescimento de fronteiras, medida normalmente aliada a governos de direita, até a promessa de reformas do sistema de saúde, com acesso universal, bandeira associada à esquerda, nos diferentes lados do espectro político a crise global do coronavírus tem servido de arma política, especialmente em nações que realizam eleições.
Agora que todos os países da União Europeia (UE) registram casos da doença será interessante prestar a atenção na resposta coordenada do bloco para a contenção do vírus. O coronavírus pega a entidade supranacional no momento mais delicado desde sua criação. Não houve tempo para recuperação da crise provocada pela novela do Brexit, que ainda não terminou. Aliado a isso, há o fato de a UE nunca ter sido tão questionada em sua essência por governantes nacionalistas no continente. Observa-se ainda o crescimento de movimentos separatistas, cuja expressão mais visível foi o processo na Catalunha.
Nesta terça-feira (10), a Agência Europeia de Medicamentos (EMA) descartou problemas nas cadeias de abastecimento de medicamentos. A maioria dos remédios usados no continente é elaborada com moléculas produzidas na Ásia, em particular na China, país onde a epidemia começou. Apesar da negativa, pequenas nações do bloco, como Bélgica, Holanda, Lituânia e Estônia, queixam-se de que as duas locomotivas da UE, Alemanha e França, estão bloqueando a exportação de produtos como máscaras de proteção e deixando de honrar contratos.
Há tentativas isoladas de capitalizar a crise. No domingo (8), o Vox, partido de ultradireita da Espanha, realizou uma manifestação que reuniu 9 mil apoiadores em Vistalegre. Um deputado da legenda, Javier Ortega, contraiu o covid-19. Em declaração, o Vox pediu desculpas, mas culpou o governo socialista espanhol, de Pedro Sánchez, por ter permitido aglomerações de pessoas.
Nos Estados Unidos, o coronavírus chega em plena corrida eleitoral. Há 791 casos, com 27 mortes 23 no Estado de Washington, duas na Califórnia e duas na Flórida. Saúde é a principal preocupação dos americanos, segundo pesquisa da Universidade Quinnipiac. E, claro, democratas e republicanos buscam tirar proveito da crise.
A oposição saiu na frente. O senador Bernie Sanders, que enfrenta nas prévias de Michigan nesta terça-feira seu grande teste depois dos resultados desfavoráveis da Superterça, é favorecido pela crise, uma vez que faz do sistema de saúde universal (Medicare for all) seu cavalo de batalha. O coronavírus reforça seu argumento de que não existe melhor momento do que agora para implementá-lo. Ele também prometeu, em sua conta no Twitter, vacinas gratuitas (quando houver) para todos contra o novo coronavírus. Vale lembrar que, nos Estados Unidos, não existe cobertura pública universal. Além do sistema privado, há o Medicar, que atende os maiores de 65 anos e jovens com determinadas deficiências, e o Medicaid, que atende uma fatia da população de baixa renda em situação vulnerável. Adversário de Sanders, o ex-vice-presidente Joe Biden traz como herança o Obamacare, que, entre outras medidas, obrigava todos os americanos a ter um plano de saúde, mesmo que fosse privado. Mas é mais discreto nas propostas. Entre elas, defende que o governo crie um plano de saúde público para competir com os planos privados e, assim, reduzir os custos. A população poderia escolher se quer a cobertura pública ou a privada.
O coronavírus, como toda grande crise, tem poder de alavancar um comandante-em-chefe ou fazê-lo naufragar. Donald Trump tem relutado em assumir a gravidade da crise e anunciar iniciativas — algumas devem ser declaradas nesta terça-feira.
Por ora, a epidemia favorece medidas que Trump gostaria de ter colocado em prática antes, mas que foi barrado pelo Congresso ou pela Justiça, como a imposição de uma segurança mais rigorosa nas fronteiras e menor dependência de produtos chineses. Iniciativas de apoio a empresas virão ao encontro de seu eleitor.
Na segunda-feira (9), o presidente disse que o governo está analisando com o Congresso medidas de alívio, como o corte de impostos sobre a folha de pagamento. A ideia é oferecer “alívio substancial”, nas palavras de Trump, aos mercados de aviação, turismo marítimo e hotelaria, além de pequenos empresários.
A principal preocupação dos americanos na eleição até pode ser a saúde, mas Trump sabe que o que irá decidir em novembro se ele ficará ou não morando na Casa Branca a partir de 2021, é a economia.