Existem temas no cenário internacional que estão acima das fronteiras nacionais e ultrapassam os limites da tomada de decisão de governos. Imigração, ambiente, economia, guerras são alguns deles. Tratam-se de assuntos transnacionais, que colocam em xeque a relação entre as nações nesse condomínio chamado planeta Terra.
Uma fábrica que polui na China tem impacto direto nos vizinhos Nepal, Vietnã, Mongólia — e indireto no mundo todo, se pensarmos que todos compartilhamos o mesmo ar. Uma guerra na Síria produz refugiados que migram para a Europa. Uma crise política na Venezuela transborda as fronteiras do país de Nicolás Maduro atingindo Brasil e Colômbia.
A epidemia do coronavírus, que voltou a fazer despencar as bolsas de valores mundo afora nesta segunda-feira (9), é um desses temas. Nações individualmente devem tomar atitudes para conter a doença — interrupção de aulas em escolas, proibição de eventos com aglomerações de pessoas, isolamento de regiões inteiras e até fechamento de fronteiras. Alemanha, França, Áustria e Romênia decidiram proibir reuniões de mais de mil pessoas. O governo britânico avalia o fechamento das escolas e o cancelamento de eventos públicos ou a proibição do ingresso de maiores de 70 anos. A Universidade do Porto e a Universidade do Minho, em Portugal, suspenderam aulas. A Arábia Saudita esvaziou o lugar mais sagrado do Islã, o centro de Meca, área em torno da Kaaba — o cubo negro ao qual muçulmanos peregrinam.
Medidas isoladas são necessárias e têm tido resultado satisfatório. A China, por exemplo, onde foi confirmado o primeiro caso da doença, apresenta sinais de diminuição no contágio do vírus, com o menor nível diário de contaminações desde que o índice começou a ser calculado. A queda no número de infecções já levou à suspensão de operação de 11 hospitais provisórios de Wuhan, epicentro da doença. Os equipamentos foram convertidos em instalações para o atendimento de pacientes com sintomas leves.
Embora possam ter sucesso, iniciativas isoladas são limitadas se não houver um esforço coordenado entre nações. O vírus já chegou a mais de 90 países, segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), ultrapassa o número de 3,5 mil mortes e registra mais de 100 mil infectados. Não é coisa de país pobre, como se poderia pensar no início. Atinge e mata em todos os continentes.
A epidemia chega em um momento delicado das relações internacionais, em que premissas de colaboracionismo estabelecidas no pós-Segunda Guerra Mundial, com a criação de regimes internacionais que ordenam o sistema global, estão sendo confrontadas por um crescente isolacionismo. O egoísmo que, nas relações internacionais, encontra seu arcabouço teórico no realismo, já se manifesta na abordagem de enfrentamento da doença. Do cada um por si. Um exemplo: alguns dos menores países da Europa, como Bélgica, Holanda, Lituânia e Estônia, se queixam de falta de solidariedade. Ministros da Saúde locais reclamaram em reunião em Bruxelas que Alemanha e França, por exemplo, estão bloqueando a exportação de produtos como máscaras de proteção e deixando de honrar contratos.
Como em qualquer situação de crise, o coronavírus exibe o melhor e o pior do ser humano. Ainda que o medo faça naturalmente erguer barreiras, recrudescer fronteiras, um esforço do melhor da humanidade ainda é capaz de vir à tona. Problemas comuns a todos são mais facilmente enfrentados e resolvidos por meio de iniciativas de coordenação global. O coronavírus é um teste para a colaboração internacional.