Michael Bloomberg sobreviveu, mas saiu chamuscado do primeiro debate do qual participou, na noite de quarta-feira (19), na disputa pela nomeação do Partido Democrata para disputar a eleição de novembro contra Donald Trump, nos Estados Unidos.
Era óbvio que ele se tornaria o alvo preferido da saraivada de ataques dos cinco rivais: ao correr por fora, não participando das duas primeiras prévias, em Iowa e New Hamphire, e injetar milhões em campanha de marketing, o ex-prefeito de Nova York alcançou em poucas semanas um patamar de exposição (que resulta em preferência dos militantes, segundo projeções) que nenhum outro pré-candidato conseguiu em meses. Sua candidatura cresceu de 4,8% em 1º de janeiro para 16,5% esta semana, e ele já é segundo colocado segundo algumas pesquisas, atrás apenas de Bernie Sanders e à frente do ex-favorito do centro Joe Biden.
Bloomberg não deu respostas suficientes para os questionamentos dos adversários, que exploraram bem as fragilidades de seu passado. Na defensiva e inseguro, a resposta mais aceitável foi uma repetição do pedido de desculpas que já fizera algumas vezes por sua política contra a criminalidade (stop and frisk) quando era prefeito de Nova York, que mirou negros e latinos. Mas deixou a desejar e foi arrogante ao ser questionado duramente por Elizabeth Warren, com apoio de Biden, sobre os acordos de confidencialidade por assédio sexual e discriminação de gênero no ambiente de trabalho em suas empresas. Bloomberg se defendeu dizendo que são "alguns" acordos assinados e que nenhum deles o acusa diretamente de ter feito algo ou "talvez não gostar de uma piada".
– Essa não é apenas uma questão de caráter. É também uma questão de chances eleitorais. Não vamos vencer Donald Trump com um homem que tem quem sabe quantos acordos de confidencialidade e histórias a conta gotas de mulheres que dizem que foram assediadas e discriminadas. Isso não é o que fazemos como democratas – disse Warren.
Em outro ponto, Bloomberg tergiversou sobre liberar seu imposto de renda – durante a campanha de 2016, Trump também não divulgou o seu. O ex-prefeito é o oitavo homem mais rico do mundo, com fortuna estimada em US$ 50 bilhões – desses, teria tirado US$ 1 bi para investir na campanha.
Como escrevi anteriormente, Bloomberg, do ponto de vista estratégico, tem tudo para ser o anti-Trump – é rico como o presidente (o que atrai e dá segurança ao mercado), agrada ao eleitor de centro que vê Warren e Sanders muito à esquerda –, e não está desgastado por escândalos políticos, como Biden, cuja imagem foi prejudicada pelas suspeitas sobre os negócios da família na Ucrânia, expostos pelo processo de impechment e corre por fora. Mas enfrenta o passado como obstáculo: a luta contra abusos é uma das banderias dos democratas, que frequentemente criticam o machismo de Trump e que têm nas mulheres importante parcela do eleitoral. Negros e latinos também são grupo fundamental da legenda, e olham com desconfiança para o candidato por sua gestão em Nova York.
Na contagem geral, por enquanto, o azarão Pete Buttigieg, ex-prefeito de South Bend (Indiana), está na frente, com 22 delegados. Sanders tem 21, Warren, 8, Amy Klobuchar, 7, e Biden, 6. Há sério risco de nenhum pré-candidato conseguir quantidade suficiente de delegados para ser o ungido do partido na convenção do partido, em julho. Isso só aprofundaria ainda mais a divisão interna que se alonga desde a derrota de 2016 e praticamente entregaria a Casa Branca de bandeja a Trump por mais quatro anos.
A prévia de Nevada, no sábado, e da Carolina do Sul, no dia 29, são apenas aperitivo. No primeiro, Sanders deve vencer de lavada – 30% contra 16% de Biden. Na segunda, é mais apertada: o ex-vice tem 24,7 contra 21,3% de Sanders. O que definirá os rumos da corrida democrata será a Superterça, do dia 3 de março, quando 16 Estados e territórios realizam eleições internas. O dia D dos democratas tem poder de consolidar a onda Bloomberg, fazer despontar Sanders e sepultar a candidatura de Biden.