A depender dos episódios das últimas horas, o Iraque caminha a passos largos para uma nova guerra, com potencial para se expandir para todo o Oriente Médio. A morte do general Qassem Soleimani, líder das Forças Al-Quds, está muito próxima do patamar da eliminação de personalidades mais conhecidas como Osama bin Laden, em 2011, e Abu Bakr Al-Baghdadi, em 2019.
Morto durante um ataque americano próximo ao aeroporto de Bagdá, na madrugada desta sexta-feira (noite de quinta pelo horário de Brasília), o general comandava o corpo de elite da Guarda Revolucionária do Irã no Exterior. Era o braço direito do máximo líder religioso iraniano, o aiatolá Ali Khamanei, e em várias ocasiões foi sondado para concorrer à presidência do país — em 2017, chegou a ser considerado uma das cem pessoas mais influentes do mundo pela revista Time.
Ocorre que a Guarda Revolucionária, corpo de elite do regime iraniano, com tentáculos no Iraque e, sobretudo no Líbano, é considerada uma organização terrorista pelos Estados Unidos. Na mesma operação das últimas horas, ao que parece efetuada por drones, foi morto Naem Qasm, número dois do Hezbollah, a milícia libanesa reconhecida como partido político no mundo árabe, mas também um grupo extremista — ou terrorista, para o Ocidente.
As mortes têm potencial para inflamar o Iraque em particular e o Oriente Médio de forma geral. Tudo indica que é uma ação planejada pelo governo americano, em resposta à invasão da embaixada dos Estados Unidos em Bagdá, no fim de semana, por manifestantes apoiados por milícias pró-Irã. O ataque à embaixada foi uma resposta ao bombardeio americano contra a facção pró-Irã Kataib Hezbollah, que, por sua vez, havia sido uma retaliação à morte de um empreiteiro americano em um ataque com foguete contra uma base no Iraque.
No Oriente Médio, a violência costuma escalar em ciclos, como este, em uma roda viva que, em algum momento, sai do controle.
O Iraque, país no qual estive em 2016 como enviado especial de Zero Hora, era um exemplo de território que expulsara os terroristas do Estado Islâmico (EI). Enquanto a Síria explodia na violência dos bombardeios, fragmentava-se como Estado-nação, o vizinho Iraque livrara-se do jugo extremista dos barbudos do Daesh, como chamam os membros do EI. Mas as tensões latentes entre xiitas e sunitas, ramificações do Islã, e sobretudo os efeitos da guerra fria regional entre Irã e Arábia Saudita, reacenderam a violência no país cansado de guerra.
A reação de Teerã nas próximas horas será decisiva para se medir a temperatura da pressão em uma das regiões mais explosivas do planeta. Mas uma coisa é certa: o ataque americano representou a pá de cal no acordo nuclear entre EUA e Irã, costurado durante o governo Barack Obama.