Não está escrito em nenhum lugar, não é tradição nem nada. Mas quase nunca o Nobel da Paz é aquela personalidade que está no topo das apostas ou figuras muito conhecidas, grandes líderes ou estrategistas. Já foi assim, até os anos 1960, o comitê norueguês premiava líderes ativos que haviam protagonizado mudanças de alto impacto global em prol da paz e da estabilidade. Depois da II Guerra Mundial, os laureados passaram a ser personalidades que lutaram contra o desarmamento, em favor da democracia e dos direitos humanos. No início do século 21, a atenção estava voltada a temas como meio ambiente e mudanças climáticas. De uns anos para cá, o papel do Nobel parece ser, cada vez mais, lançar luzes sobre problemas esquecidos pela maior parte dos mortais.
Não estaríamos falando do conflito entre Etiópia e Eritreia, que tirou a vida de mais de 80 mil pessoas, não fosse o comitê ter dado o Nobel da Paz a Abiy Ahmed, o jovem primeiro-ministro etíope. Assim como não saberíamos como o estupro é usado como arma de guerra na República Democrática do Congo se o médico Denis Mukwege não tivesse sido homenageado em 2018. Tampouco conheceríamos o papel das mulheres na luta pela democracia na Libéria e no Iêmen sem Ellen Johnson Sirleaf, Leymah Gbowee e Tawakkul Karman.
Às vezes, o Nobel é dado em nome de um porvir. Foi o caso de Barack Obama, laureado antes mesmo de completar o primeiro ano na Casa Branca. Pode ser o caso do etíope Ahmed.
O acordo de paz fechado entre Etiópia e Eritreia é ainda frágil, foi acertado em julho do ano passado graças a um movimento unilateral do primeiro-ministro que cedeu trecho de fronteira desejado pelo governo autocrata eritreu. Em geral, para se chegar à paz, alguém tem de ceder. Ahmed cedeu. Foi um primeiro passo. Mas muito mais precisa ser feito para a consolidação da trégua.
A Etiópia e a Eritreia, territórios herdeiros do grande reino da Abissínia, experimentaram algumas das piores ideologias do século 20, como o fascismo italiano e a ditadura comunista. Resistiram à colonização do século 19, mas não aos interesses da Guerra Fria. Ainda que tenhamos na mente as imagens das crianças esquálidas dos anos 1980 quando se pensa em Etiópia, o país está entre as economias de mais rápido crescimento na África. As luzes do Nobel ajudam. Mas a paz uma paz duradoura depende de boa vontade de vários lados. Que o diga a Colômbia, país do ex-presidente Juan Manuel Santos, laureado em 2016 com o Nobel da Paz pelo acordo que pôs fim ao conflito com as Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (Farc). Este ano, um grupo dissidente da guerrilha anunciou o retorno às armas.