O fato novo da fala de Jair Bolsonaro na abertura do Fórum Econômico Mundial, em Davos, veio depois do pronunciamento-relâmpago de seis minutos. Na parte reservada aos questionamentos do presidente do evento, Klaus Schwab, que perguntou como enfrentar o desafio de equilibrar desenvolvimento e meio ambiente, o presidente afirmou que o "Brasil está sintonizado com o mundo na busca por redução de CO2".
Para bom entendedor, meia palavra basta. Pode-se depreender da frase certo recuo do governo na promessa de retirar o país do Acordo de Paris sobre mudanças climáticas. Recentemente, o ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, que integra o núcleo ideológico do governo, admitiu que não há consenso sobre a saída – o que, provavelmente, afetaria as relações comerciais com a Europa em geral e da União Europeia com o Mercosul, em particular. Afinal, estar "sintonizado com o mundo" significa ratificar o único plano global para salvar o planeta, solução parida à fórceps em 2015.
Foi um Bolsonaro comedido e superficial que discursou em Davos. E pode-se avaliar seu discurso pelo que ele deixou de falar: o presidente evitou citar alianças automáticas com Estados Unidos, Itália e Israel – obviamente, manteve longe do discurso a questão da transferência da embaixada para Jerusalém, para não tirar o foco das promessas de liberalização econômica. Também evitou mencionar de líderes que inspiram seu ministro das Relações Exteriores, Ernesto Araújo, como o húngaro Viktor Orbán, questionado entre seus pares europeus por arroubos autoritários.
Bolsonaro tampouco criticou a imigração ou o chamado globalismo, palavra que está impregnada nos discursos e artigos de Araújo, mas que não apareceu na fala de Davos.
Instado a comentar sobre a América Latina, Bolsonaro verbalizou os nomes dos presidentes Mauricio Macri (Argentina), Sebastian Piñera (Chile) e Mario Abdo Benítez (Paraguai) para garantir que "não queremos uma América bolivariana como existia no Brasil". América bolivariana no Brasil? Um ato falho por certo, corrigido em seguida:
– A esquerda não prevalecerá nesta região.
Bolsonaro citou duas vezes a promessa de "retirar o viés ideológico" da política externa e dos negócios. Sem mencionar a China, afirmou que o Brasil quer "aprofundar os negócios com todos os países do mundo".
Embora sem detalhar nenhuma promessa – mesmo quando questionado do "como fazer" –, o brasileiro foi moderado, como se espera de um chefe de Estado. Foi quase neutro, batendo apenas nos bolivarianos, sem citar Nicolás Maduro.
O presidente falou o idioma de Davos, prometendo liberalizar a economia e fazer reformas, como diminuir a carga tributária — sem explicá-las. Mas foi o suficiente para o que a plateia dos alpes suíços queria ouvir.
Talvez fosse esse o banho de realidade que o presidente e sua comitiva tomaram nas primeiras 24 horas debaixo de zero em Davos que o governo precisava para entender como se faz política externa no cenário contemporâneo. Mandato é diferente de campanha. E política externa se faz equilibrando condicionamentos internos (interesses e demandas domésticas) e constrangimentos externos (cumprindo acordos e mantendo a boa vizinhança). Nas relações internacionais, agendas isolacionistas podem rapidamente ser engolidas pela comunidade global.