Em 1947, quando as Nações Unidas aprovaram o plano de partilha do Oriente Médio, previram dois Estados – Israel e a Palestina.
Jerusalém seria território internacional. Mas, em 1967, forças israelenses ocuparam a parte leste da cidade, região onde ficam dois dos mais sagrados locais de peregrinação de judeus e muçulmanos: respectivamente o Muro das Lamentações e a Esplanada das Mesquitas. Essa região, também chamada de Jerusalém Oriental, é reivindicada pelos palestinos como capital de seu futuro Estado.
O problema é que essa zona de Jerusalém Oriental é também sagrada para os judeus. Ali fica o Muro das Lamentações, logo abaixo da Esplanada das Mesquitas, que os judeus chamam de Monte do Templo. O muro é o último vestígio do Templo de Herodes, construído no local onde ficava o templo construído por Salomão. Para os israelenses, toda Jerusalém é sua capital única e indivisível. Estamos falando de 150 quilômetros quadrados, um terço do tamanho de Porto Alegre.
A seguir, 7 questões sobre por que seria um erro o Brasil mudar sua embaixada de endereço, de Tel Aviv para Jerusalém, decisão que o presidente eleito, Jair Bolsonaro, teria informado ao primeiro-ministro israelense, Benjamin Netanyahu, neste domingo.
1 Na contramão do mundo
Ao seguir a decisão de Donald Trump, que transferiu a embaixada americana para Jerusalém em 2018, Bolsonaro estaria indo na contramão do que pensa grande parte da comunidade internacional, que considera Jerusalém Oriental (a parte leste da cidade, de maioria palestina) território ocupado, por conta da ofensiva de Israel na Guerra dos Seis Dias, em 1967. Na tentativa de manter a neutralidade e não influenciar tentativas de acordo de paz na região, a comunidade internacional nunca reconheceu a soberania de Israel sobre a cidade.
A decisão brasileira lançaria ao mundo um sinal de que o Brasil não está comprometido com um dos poucos planos para a paz visto como concreto — a solução de dois Estados, um israelense e outro palestino. Este o plano é reconhecido como o mais factível para pôr fim a décadas de mortes de ambos os lados na região.
2 Violação de resolução internacional
O Brasil estaria violando uma regra internacional estabelecida pelo Conselho de Segurança das Nações Unidas. A Resolução 478 do órgão, aprovada em 20 de agosto de 1980 por 14 votos a favor, nenhum contra e uma abstenção (dos EUA), definiu como nula a Lei Básica de Jerusalém, do parlamento israelense, a Knesset. Essa lei de Israel estabelecia a cidade sagrada para as três religiões como capital de Israel. O Brasil como membro da ONU deve obedecer às resoluções estabelecidas pelo conselho máximo da entidade — e inclusive ser penalizado por desrespeitá-las.
Na resolução, o órgão da ONU convidou os Estados-membros a retirar suas missões diplomáticas da cidade. A decisão foi imediatamente seguida pelos 13 países cujas missões diplomáticas estavam lá: Bolívia, Chile, Colômbia, Costa Rica, República Dominicana, Equador, El Salvador, Guatemala, Haiti, Holanda, Panamá, Uruguai e Venezuela.
3 Entre poucos no planeta
Ao transferir a embaixada, o Brasil se une apenas a Estados Unidos e Guatemala. Atualmente, são só esses países que mantêm a representação diplomática em Jerusalém.
O Paraguai chegou a fazer a transferência, mas recuou e retornou a Tel Aviv. Rússia e Austrália declararam Jerusalém capital israelense, mas não transferiram embaixadas. Até porque o governo russo também reconheceu a parte leste da cidade como a capital de um futuro Estado palestino. A Austrália condicionou a transferência a um acordo de paz entre israelenses e palestinos.
4 Provocação aos palestinos
Ao se mudar para Jerusalém, o Brasil estaria fazendo um gesto de provocação aos palestinos em particular e aos muçulmanos em geral. A cidade é o terceiro ponto mais importante do Islã, depois de Meca e Medina. Ali estão o Domo da Rocha (local de onde Maomé teria subido aos céus) e a Mesquita de Al-Aqsa, o maior templo islâmico de Jerusalém.
5 Ira de terroristas
Também estaria atraindo a ira de grupos extremistas como o palestino Hamas e o libanês Hezbollah, que podem tramar atentados no Brasil ou em locais de interesses brasileiros – como embaixadas ou consulados pelo mundo, em especial em países islâmicos.
6 Metendo-se em problema alheio
O gesto colocaria o Brasil no centro de um dos mais complexos problemas da geopolítica mundial, que já rendeu várias guerras e é tido como um tema de alta política das relações internacionais, que envolve interesses de gigantes como Rússia, Estados Unidos, China, França e Reino Unido. Aceitar a cidade bíblica como capital de Israel significa escolher um lado do conflito – o de Israel e dos Estados Unidos. O país pode perder qualquer capacidade de articulação diplomática com nações árabes, que inclusive devem romper relações com o Brasil, o que significa perdas políticas e comerciais.
7 Risco de retaliações diplomáticas e comerciais
O Brasil exporta para os principais países árabes e pode deixar de fazê-lo se um deles ou a Liga Árabe (integrada por 22 nações) como um todo decidir retaliar.
Só para a Arábia Saudita, por exemplo, foram vendidos US$ 1,8 bilhão em 2018 em carne de frango, açúcar de cana, carne bovina e soja. Para o Egito, foram US$ 1,9 bilhão em carne bovina, minérios de ferro e seus concentrados, milho em grão, tubos de ferro fundido, ferro ou aço. O Egito, aliás, foi um dos primeiros países a retaliar o país por conta da intenção do futuro presidente. Recentemente, desconvidou o chanceler brasileiro, Aloysio Nunes Ferreira Filho, de visita agendada ao país.