O Oriente Médio nunca foi para principiantes. O quebra-cabeças geopolítico embaralhado por fanatismos religiosos de vários lados costuma transformar, da noite para o dia, aliados de ocasião em inimigos de morte e certezas estratégicas em fracassos retumbantes. Exemplo disso foi a Primavera Árabe, que, ao contrário do que se imaginava, não resultou em governos democráticos. Com exceção da Tunísia, nações como Líbia, Egito, Iêmen e Síria estão de volta às mãos de ditadores ou imersas em guerra civil.
O Brasil não é um “anão diplomático”, na infeliz declaração (pelo preconceito e pela desconexão com a realidade) de um porta-voz do governo israelense em 2014. Mas é jogador pequeno na briga de titãs da região – que o diga o ex-presidente Lula e a fracassada tentativa de mediar a crise nuclear do Irã, em 2010.
Antes de se aventurar no vespeiro da geopolítica por lá, transferindo a embaixada brasileira de Tel Aviv para Jerusalém, o presidente eleito Jair Bolsonaro deveria observar, em retrospecto, a data de 6 de dezembro de 2017. Há um ano, Donald Trump anunciou a mudança da representação americana para a Cidade Santa.
Ao romper com décadas de tradição política para a região, a Casa Branca se isolou como mediadora entre israelenses e palestinos. Ok, Trump não está muito preocupado com isso. Mas nem o argumento de que a mudança eliminaria “um obstáculo nas negociações de paz”, nas palavras do americano, se confirmou. Pelo contrário. Nenhum passo rumo a uma paz duradoura foi dado. E os cenários de violência aumentaram. Pelo menos 62 palestinos foram mortos por tiros israelenses apenas no dia da inauguração do prédio, em maio. Nas semanas seguintes, outros 235 morreram. Do lado de Israel, foram dois soldados mortos.
A decisão atraiu para os Estados Unidos críticas da comunidade internacional e a ira dos palestinos. O que se viu foi o congelamento das relações entre o governo Trump e a Autoridade Nacional Palestina (ANP), com o fechamento da representação palestina em Washington.
A maior parte da comunidade internacional e líderes do próprio Partido Republicano, de Trump, continuam apostando na ideia de dois Estados – algo que o reconhecimento de Jerusalém como capital inviabiliza.
A decisão americana também não incentivou o mundo a se mudar para Jerusalém, como o americano pensava. Os EUA foram exceção. Nenhuma outra grande potência seguiu seus passos. Apenas a Guatemala. O Paraguai chegou a fazê-lo, mas voltou a Tel Aviv quatro meses mais tarde, após a eleição do novo presidente Mario Abdo Benítez.
A quem interessa a mudança da embaixada brasileira, senão a Israel, obviamente, e à bancada evangélica e à extrema-direita? Além de perdas econômicas que representariam uma eventual decisão de Bolsonaro – com risco de sanções comerciais do mundo árabe, cujo mercado é um dos principais importadores de carne de frango do Brasil –, as ameaças à segurança nacional são enormes. A transferência tragaria o país que ocupa a distante 90ª posição no ranking global do terrorismo (Global Terrorism Index) para a fogueira de ódio dos extremistas (os EUA estão em 20º com maior risco de atentados). Não é de hoje que a CIA monitora a presença de células adormecidas na Tríplice Fronteira.
O futuro governo brasileiro, composto por sete ministros militares, como mostra a reportagem de Humberto Trezzi nesta edição, conta com alguns dos mais experientes oficiais desta geração nas três armas, entre eles o general gaúcho Carlos Alberto dos Santos Cruz, veterano do Haiti e conhecedor das ameaças do terror na África. A mente estratégica desses soldados desaconselha a mudança. Sabem que o risco é alto demais e os ganhos, se houver, são pequenos diante de nenhum aceno concreto de retribuição, até agora, de Trump ou de Israel.