O governo de Donald Trump pode ser dividido entre antes e depois de Helsinque. Até esta segunda-feira, 16 de julho, os arroubos pelo Twitter, a política de dinamitar pontes com aliados, a ruptura de tratados e a saída de organismos internacionais e até mesmo a sua agenda de canhão em relação a israelenses e palestinos era tolerada nas entranhas do Partido Republicano até por quem não morre de amores pelo correligionário.
Mas, ao criticar a comunidade de inteligência, o Departamento de Justiça e outros órgãos de seu próprio governo, desautorizando-os no caso da suposta interferência russa na eleição de 2016, Trump ultrapassou todos os limites do suportável entre seus apoiadores.
"Vergonhoso" foi o adjetivo mais leve que alguns republicanos usaram para qualificar a coletiva do presidente na capital finlandesa.
"Asqueroso", disse apresentador Neil Cavuto, da Fox News, emissora de TV conhecida pela postura alinhada ao Partido Republicano.
"Traição", acusou John Brennan, diretor da CIA entre 2013 e 2017, pelo Twitter: "A atuação de Donald Trump na entrevista coletiva de Helsinque excede as falhas e delitos graves. Foi nada menos do que traição. Não só os comentários de Trump foram estúpidos como (o presidente) também está completamente no bolso de Putin".
Crítico interno de Trump, o senador e militar da reserva John McCain, ex-candidato republicano à presidência, em 2008, afirmou que o desempenho do presidente foi um dos mais vergonhosos da história de um líder dos EUA:
Está claro que a cúpula de Helsinque foi um erro trágico.
Até um dos mais fiéis escudeiros de Trump, o presidente da Representative House (Câmara dos Deputados), Paul Ryan, está certo de que, direta ou indiretamente, a Rússia influenciou o resultado da eleição de 2016.
Na sexta-feira, apenas três dias antes do encontro em Helsinque, o Departamento de Justiça do próprio governo que Trump comanda, concluiu que o Kremlin usou hackers para acessar emails do Partido democrata durante a campanha eleitoral para minar as chances de Hillary de vencer a disputa.
Um grande júri federal do Distrito de Columbia apresentou acusação formal contra 13 cidadãos e três entidades russas acusadas de violar leis criminais para interferir nas eleições e nos processos políticos dos EUA. As acusações alegam que os russos se passavam por cidadãos americanos criando personagens falsos e roubando as identidades de americanos reais.
Ao criticar a chamada comunidade de inteligência, Trump abre não só uma crise interna, mas sobretudo põe em dúvida as instituições que formam os Estados Unidos da América. São os pilares da democracia americana que estão sob risco. E pior: Trump fez tudo isso diante do maior adversário político em nível internacional ainda hoje presente no imaginário dos cidadãos: a Rússia. Isso, para muitos americanos, é imperdoável.