Vladimir Putin: "A Rússia nunca interferiu nem tem planos de interferir na política doméstica americana, incluindo em eleições".
Donald Trump: "As investigações do FBI sobre a suposta interferência russa nas eleições são um desastre para nosso país. Não houve conluio. Venci Hillary Clinton facilmente".
Convenhamos, você esperaria que Putin reconhecesse que seus serviços de inteligência atuaram direta ou indiretamente para interferir na eleição americana? Não, né? Agora, poderia se esperar que Trump, principal beneficiado pela suposta interferência russa no pleito, quisesse colocar um ponto final no assunto. Ele fez mais do que isso no encontro desta segunda-feira em Helsinque. Para ficar de bem com o colega, contradisse as agências de inteligência de seu próprio governo que concluíram que a Rússia estava por trás do esforço para prejudicar Hillary Clinton, com uma campanha autorizada pelo Estado de ataques cibernéticos e notícias falsas plantadas nas redes sociais. Tanto que, logo após o encontro, o diretor de Inteligência dos Estados Unidos, Dan Coats, reiterou a "clara" conclusão de sua investigação. Na semana passada, o promotor especial Robert Mueller acusou 12 agentes russos de roubar documentos do Partido Democrata para beneficiar a campanha de Trump.
O diálogo do início deste texto foi a primeira jogada ensaiada entre Putin e Trump — cuja bola, na foto acima, é simbólica, para ficarmos na linguagem do futebol uma vez que Putin ainda está colhendo os frutos da diplomacia da Copa. A segunda tabelinha? Antes do encontro, Trump havia causado incômodo ao afirmar que as relações entre os EUA e a Rússia nunca haviam estado piores — lançando a culpa no seu próprio país, e não no governo do russo. O que disse o russo após a reunião?
— Tivemos um diálogo muito aberto e significativo hoje. A Guerra Fria é coisa do passado, mas EUA e Rússia enfrentam toda uma série de ameaças.
Trump concluiu, resgatando o que havia dito antes:
— Nossa relação nunca esteve pior do que é agora, mas isso mudou há cerca de quatro horas.
Há quatro horas! Ora, os dois presidentes insistem em dar caráter pessoal a cada gesto: seja no sucesso da Copa, no caso do russo; seja no diálogo com os norte-coreanos, no qual até agora não se viu algo de concreto, no caso americano.
As sanções do Ocidente contra a Rússia por conta da ocupação da Crimeia e as mútuas expulsões de diplomatas elevaram a tensão, mas já houve na história momentos bem piores — a crise dos mísseis, para ficarmos no exemplo mais extremo.
A paz e o conflito não dependem mais apenas dos dois lados, ainda que a imagem dos líderes juntos nos remetam à Guerra Fria. Há outros atores. União Europeia e China, os principais; Irã e Arábia Saudita, coadjuvantes, mas com interesses próprios; e um fator de desequilíbrio, o terrorismo.
De prático, Trump e Putin encenaram aproximação e falaram em diálogo pela paz, mas só quando as cortinas se fecharem e sairmos do campo das intenções é que saberemos o que, de fato, há de construtivo: nada foi anunciado, por exemplo, em relação à Síria — falava-se de saída total das tropas — e à limitação de arsenal nuclear — prolongamento de um tratado de redução de armas (Start) que vence em 2021. A lógica do desarmamento continua valendo apenas para os outros — que o digam Coreia do Norte e Irã.