A coluna separou cinco razões para ficar de olho na disputa pela presidência da Rússia, neste domingo, na qual Vladimir Putin é favoritíssimo.
1) O antagonismo ao Ocidente
Ainda que a Guerra Fria tenha terminado, vivemos tempos de nova divisão do sistema internacional entre dois grandes blocos de poder, com a Rússia exercendo forte antagonismo em relação às políticas do Ocidente. Um dos grandes no Conselho de Segurança, o país exerce influência em assuntos como a Guerra na Síria, em apoio ao governo de Bashar al-Assad. A Rússia também é fiel da balança, junto com a China, na crise com a Coreia do Norte. O Kremlin vê com desconfiança qualquer tentativa de o Ocidente de se aproximar das antigas áreas de influência soviética. A Ucrânia, por exemplo, viveu uma guerra por conta da anexação da Crimeia pelos russos, em 2014.
O caso do envenenamento de um ex-agente do serviço de inteligência russo em território britânico abriu nova crise, unindo Reino Unido, França, Alemanha e EUA contra o Kremlin. No cenário internacional, o homem que afirmou que o fim da União Soviética foi "a maior catástrofe geopolítica do século XX", se esforça para restaurar a influência da Rússia no mundo, abalada após a queda da URSS e os anos caóticos de governo de Boris Yeltsin.
2) Putin, o todo-poderoso
A figura de Putin e o pouco que se sabe sobre sua vida particular contribuem para a imagem de um líder frio e calculista. Eleito pela primeira vez em 2000, ele anternou-se entre a presidência e o cargo de primeiro-ministro para permanecer no poder por 18 anos. Como deve vencer, chegará a 2024, com um quarto de século exercendo o poder. Seus 16 anos no serviço de inteligência (a antiga KGB) também contribuem para dar ao líder um certo ar retrô da Guerra Fria. Acusado de corrupção por seus opositores, Putin comanda o país com requintes de autoritarismo, utilizando-se do aparato de segurança para calar a imprensa e perseguir opositores. A revista The Economist classifica o país desde 2011 como um regime autoritário, ainda que analistas considerem difícil classificar a Rússia a partir de conceitos ocidentais, como de uma democracia liberal. Quando Putin, de 65 anos, chegou ao poder no ano 2000, o país era instável, com uma economia falida. Agora, muitos russos o elogiam, sobretudo porque associam o seu nome à estabilidade e uma nova prosperidade, favorecida pela atividade petroleira. Tudo isto ao custo de um retrocesso no âmbito dos direitos humanos e das liberdades, segundo os críticos.
3) O país da Copa
O Mundial de junho e julho será a grande vitrine da Rússia em geral e do governo Putin em particular. Na política, é uma chance de o país limpar sua imagem de autoritário aos olhos do mundo. No esporte, a imagem de corrupção está muito colada a Moscou. O Comitê Olímpico russo foi proibido pelo Comitê Olímpico Internacional (COI) de participar dos Jogos de Inverno na Coreia do Sul, em fevereiro, por causa de um escândalo estatal de doping. Seus atletas puderam participar sob bandeira neutra. A Fifa já informou que o banimento não adetará o mundial. Mas a mais recente crise político com o Reino Unido provoca preocupações sobre um possível boicote por parte da seleção inglesa. Outra questão que preocupa os organizadores do evento é a ameaça terrorista. A Rússia de tempos em tempos é alvo de ações extremistas protagonizadas por grupos separatistas da região do Cáucaso e por sua presença na Síria.
4) Fábrica de fake news
A preocupação mundial com a propagação de notícias falsas na internet tem como um dos epicentros a Rússia. É lá que ficam algumas das fábricas de mentiras e boatos que podem ter influenciado eleições nos EUA, na Alemanha e na França e o referendo catalão. No caso americano, passado mais de um ano da vitória de Donald Trump sob Hillary Clinton, não está claro o nível de interferência do Kremlin na disputa – nem se o governo russo teria patrocinado a ações de boots (robôs) para desestabilizar processos políticos em outros países. Mas as suspeitas são fortes.
5) Um gigante desconhecido
A Rússia é um país em grande parte desconhecido do Ocidente – e muitas vezes ficamos presos a estereótipos ideológicos, construídos a partir da indústria do cinema. A eleição é um bom momento para nos aproximarmos de clássicos como Dostoiéski, Tolstoi, Gogol, Maiakovski, Bulgakov, Pasternak, Tchekhov, entre outros. Em 2017, nos cem anos da Revolução Bolchevique, foram lançados no Brasil importantes livros sobre o país. Recomendo O túmulo de Lênin, de David Remnick, editor-chefe da revista New Yorker, que foi correspondente em Moscou durante os efervescentes anos do fim do império soviético.