Em 2009, fiquei uma semana trancafiado na embaixada brasileira em Tegucigalpa com o presidente deposto de Honduras, Manuel Zelaya, e seus simpatizantes. Cercada por militares golpistas, a sede diplomática tornou-se refúgio do ex-líder populista em sua volta ao país, que deveria ser triunfal e acabou se tornando um cativeiro de luxo por meses. Éramos cinco jornalistas internacionais, tínhamos a comida revistada por cães e sofríamos, pelo lado de fora, com a pressão psicológica das tropas, e, pelo lado de dentro, com as ameaças de Zelaya, que tentava controlar o que era publicado em nossos jornais.
Derrubado por um golpe parlamentar como tantos outros a que a América Latina conheceria nos anos seguintes, Zelaya havia sido levado de pijama, semanas antes, para fora do país. Voltava carregado pelos apoiadores, em geral sindicalistas e líderes comunitários, tendo como escudeiros Hugo Chávez, Luiz Inácio Lula da Silva e o alinhamento dos governos de esquerda na América Latina.
Foi uma das maiores crises envolvendo a diplomacia brasileira na história recente. O governo Lula e sua diplomacia de governo tinham arroubos de grandeza internacional.
Oito anos depois, mais por birra ideológica do que por estratégia de voltar a ter uma atuação global, a diplomacia brasileira compra briga com um vizinho, tendo como pano de fundo as teias do chavismo-madurismo. Ao expulsar o encarregado de negócios de Caracas, Gerardo Antonio Delgado Maldonado (há mais de um ano, não há representante venezuelano em Brasília), o Brasil cumpre o princípio básico da reciprocidade. No fim de semana, a Venezuela tornara o embaixador brasileiro em Caracas, Ruy Pereira, persona non grata.
Nicolás Maduro, ao olhar pela janela do Miraflores, não avista mais nos palácios vizinhos Lula, Cristina Kirchner, José Mujica, Zelaya e outros. O cenário de alinhamento conservador nos governos do continente fechou as portas para chavismo-madurismo. Ninguém mais passa a mão sobre os desmandos do bolivarianismo do século 21, falácia criada por Chávez que tem pouco de bolivariano e nada de socialismo.
O azedume das relações com o Brasil é ainda mais antigo. Em junho de 2015, uma comitiva de senadores brasileiros foi a Caracas para se encontrar com líderes da oposição e sequer conseguiu sair do aeroporto de Maiquetía. A saída de Dilma, a ascensão de Temer ao Planalto e José Serra como chanceler só fizeram piorar as relações. Ato contínuo, o embaixador Ruy Pereira abrigou na embaixada em Caracas o juiz Ildefonso Ifill Pino designado paralelamente para o Supremo venezuelano até ele fugir do país _ algo parecido com o que o Brasil fizera com Zelaya em Honduras. Temer passou a repudiar publicamente o governo, liderando ações de isolamento na OEA e no Mercosul.
Cada vez mais sozinho, Maduro tem apenas o apoio do governo boliviano de Evo Morales. Com hiperinflação, população esfomeada, carência de produtos básicos nas prateleiras, prisões, torturas e perseguição a jornalistas, é o triste fim de 2017 para a população venezuelana. O ano em que Maduro abraçou o autoritarismo.