A suspeita de que o ex-primeiro-ministro libanês Saad al-Hariri estaria sendo mantido refém pela ditadura saudita é mais um sinal de que o Oriente Médio pode estar caminhando para um confronto que tem como pano de fundo a Guerra Fria entre a Arábia Saudita e o Irã. Os dois países, principais potências islâmicas da região (a Arábia Saudita de maioria sunita, apoiada pelos americanos, e o Irã, xiita, aliado da Rússia), travam um conflito pela hegemonia no Golfo Pérsico.
Depois do Iêmen, principal campo de batalha dessa disputa, agora é a vez de o Líbano ser tragado para o conflito entre os dois grandes. Filho do histórico líder libanês Rafic Hariri, assassinado em 2005 em um atentado em Beirute, Saad fez um discurso, direto de Riad, sábado passado, renunciando ao cargo. O avião em que ele havia feito a viagem retornou sem o político ao Líbano. Há um mistério pairando sobre o Oriente Médio - antes do discurso, não havia qualquer sinal de Saad pensasse em renunciar. Quais seriam seus reais motivos. Daí, as teorias que levam à hipótese de sequestro do chefe de governo. O ministro de Negócios Estrangeiros libanês, Gebran Bassil, exigiu que a família real saudita deixe Saad regressar.
- O regresso do chefe de governo é uma necessidade para recuperar a dignidade do Líbano e preservar os equilíbrios internos e externos - disse.
Tem razão o ministro. Pobre Líbano, traído mais uma vez pelos interesses externos. Tudode ruim que acontece no Oriente Médio, historicamente, retumba em Beirute.
Em seu discurso de demissão, Hariri, um milionário cuja família fez fortuna na Arábia Saudita e que desde sempre contou com o apoio da ditadura teocrática de Riad, acusou o Irã e o grupo xiita libanês Hezbollah de espalharem conflitos em países árabes e anunciou que temia ser assassinado. A própria morte de seu pai no atentado de 2005 foi resultado de uma conspiração.
O discurso de Saad não colou no Líbano. O Hezbollah, a maioria dos políticos (inclusive os sunitas libaneses) acham que ele foi forçado a sair pelos sauditas.
Mais mais moderno do mundo árabe e talvez única democracia de fato, o Líbano havia sido poupado até agora da arena de MMA em que se transformou a região. O Iêmen era o quintal das duas potências. Recentemente, os sauditas impuseram um bloqueio total ao país para combater os rebeldes huthis (xiitas, como o Hezbollah libanês e os iranianos). Foi uma reação a um míssil disparado a partir do Iêmen contra o aeroporto de Riad, no sábado, e que foi interceptado pelos sauditas. Junte-se a isso, o isolamento recente do Catar, por acusar de colaboração com o regime iraniano.
Até agora não está explicada a onda de moralização empreendida pelo reino internamente. Mais de 200 pessoas, entre príncipes, ministros e grandes empresários, foram presos acusados de corrupção. Por que agora? Seria resultado de pressões americanas?
Não custa lembrar que, em maio, Donald Trump esteve em Riad e voltou para a Casa Branca com a mala abarrotada de contratos bilionários acertados entre os dois governos, principalmente de venda de armas para o reino. Minha opinião: na hora em que a guerra deixar de ser fria com o Irã, será preciso ter o aliado americano por perto.