Profundo conhecedor de submarinos naufragados, o segundo-tenente do Exército Nestor Magalhães, 66 anos, está pouco esperançoso de que a tripulação argentina seja encontrada com vida no Atlântico Sul. A pior hipótese, segundo ele, é de que o submarino ARA San Juan tenha tido colapso mecânico e elétrico, o que levaria o equipamento direto para o fundo do mar, a uma profundidade avassaladora, onde seu casco não resistiria à pressão. Todos os tripulantes teriam morte instantânea.
Mergulhador profissional, o gaúcho já esteve em destroços de cerca de 10 submarinos no fundo dos oceanos. Com as experiências, escreveu dois livros, U Boats e De Truk a Narvik, e se encaminha para a terceira obra, De Guadalcanal a Creta. Todos levam o subtítulo Mergulhando na História. Por telefone, o militar da reserva fala sobre o desaparecimento do submarino no Atlântico Sul.
Pela sua experiência, tendo mergulhado em dezenas de carcaças de submarinos, o que o senhor acha que pode ter acontecido com o ARA San Juan?
No início, parecia ser um colapso elétrico e mecânico, que deixou o submarino à deriva e sem comunicações. Mas, passado esse tempo de desaparecimento, parece ser algo mais grave. Esse submarino pode ter tido um incêndio ou uma explosão a bordo e ter afundado. E pode estar a uma determinada profundidade, ainda com a tripulação viva dentro. Ou pode ter caído a uma profundidade maior e sido esmagado (pela pressão), Aí, todos teriam morte instantânea.
O senhor quer dizer que o submarino pode ter caído a uma profundidade maior do que sua capacidade?
Sim, o Brasil, por exemplo, tem submarinos da classe Tupi. Fizeram um exercício de profundidade para ver o máximo de segurança que poderia ir. Foi a 300 metros. Há muitos anos, havia um submarino nuclear americano chamado Thresher. O aparelho foi fazer uma operação de mergulho e não se conseguiu controlá-lo. Houve alguma falha mecânica ou elétrica, e ele continuou mergulhando cada vez mais até que a pressão esmagou o casco. Ninguém escapou. Se o submarino não pode estabilizar nem subir, só continua descendo, descendo, descendo. Chega a um ponto em que a pressão esmaga tudo, onde houver ar no interior.
O ARA San Juan pode suportar uma profundidade de até 600 metros. Mas fala-se que, no local das buscas, a profundidade chega a 5 mil metros.
Aí não tem escapatória. Para atingir uma profundidade dessas, só submarinos especiais, preparados para receber tamanha pressão.
No último contato com a base, o ARA San Juan comunicou problemas nas baterias do submarino. Qual a função dessas baterias?
Esses convencionais (ou seja, não nucleares) são chamados submarinos diesel elétrico. Eles têm um motor a diesel e outro elétrico. O elétrico funciona por meio das força das baterias. Por sua vez, essas baterias são carregadas pelo movimento dos motores a diesel. Os submarinos podem se movimentar com motores elétricos submersos ou, na superfície, com motores diesel. Os alemães, já em 1944, tinham um artifício chamado snorkel. Eles podiam só erguer a pontinha desse canudo acima da superfície e, dali, dar ar para que os motores a diesel pudessem funcionar e recarregar essas baterias. Não precisaria vir à tona. É a mesma coisa com esse submarino argentino.
Digamos que o submarino estivesse submerso e ocorresse uma falha geral, mecânica e elétrica. Não teria como liberar água e voltar à superfície sem que dependesse desses equipamentos? Pelo simples movimento natural?
Ele podia inflar o ar comprimido dos balastros e subir, mas essa falha, essa avaria, pode ter destruído o sistema elétrico que faz isso. Se não tem força para encher os balastros, não sobe. Não há como fazer de forma manual. O perigo é essa profundidade. Se ele submergiu e desceu, sem conseguir parar, será esmagado.
O senhor já esteve em um submarino, como imagina o cenário interno?
Sim, andei em um submarino brasileiro muito parecido com esse argentino. O submarino Tapajó, da classe Tupi. Passei duas noites a bordo, é impressionante. Primeiramente, é uma impressão claustrofóbica, muito pequeno, espaços muito curtos, tudo aproveitado ao máximo. É uma máquina fantástica que a gente fica até com medo de encostar em alguma coisa, tal a quantidade de comandos, teclas, registros. A impressão positiva é que tu estás no meio de uma tripulação altamente adestrada. Um ambiente de camaradagem e eficiência, como tem de ter um caçador das profundezas. Navegamos na superfície na Baía de Guanabara e, quando saiu para o Atlântico, ele submergiu.
Quais diferenças entre os submarinos que o senhor conhece, da II Guerra Mundial, e esse equipamento argentino?
Muito poucas. Os alemães tinham, no final da guerra, submarinos tipo 21, que eram muito parecidos com esses de hoje. O princípio é o mesmo. Claro que a parte eletrônica, a mecânica evoluiu, mas o princípio é o mesmo: motor diesel e motor elétrico. Ele é mais veloz embaixo d'água do que na superfície.
Como é aquela região do Atlântico Sul? O senhor já mergulhou ali?
Não, nunca fui. Ali, a água é muito fria, o que é outro perigo. Não adianta escapar do submarino e cair na água, tu vais morrer pela perda de calor do corpo. A água tem poder de retirar calor do corpo 22 vezes superior ao ar. Em questão de minutos, a temperatura da água leva qualquer náufrago a morte.
É impressionante que, mesmo a tecnologia mais avançada dos dias atuais, não se encontre o submarino até agora, não?
Por isso, acredito que não esteja à deriva, na superfície. Se estivesse, já teria sido encontrado. Estando submerso é uma busca mais complicada. Mas acho que eles vão encontrar. Porém, já se passaram sete dias, a situação é ruim. Infelizmente, estou esperando o pior.