Certo dia, sentado a sua mesa no tribunal de Honolulu, Estado americano do Havaí, o juiz Steven Alm digladiava-se com a missão a que se desafiara ainda no tempo de promotor de Justiça: reduzir a reincidência entre criminosos do sistema de liberdade condicional, semelhante ao falido semiaberto brasileiro. Era 2004, e ele chegava a presidir audiências com mais de 20 violações da condicional, como uso de drogas e ausências nas entrevistas com oficial de Justiça a que todo réu deveria comparecer periodicamente. Foi quando lembrou das lições que ensinava a seu filho de dois anos. Combinava as regras e, se o menino as transgredisse, a consequência viria de forma imediata e proporcional. Se dava certo com uma criança, funcionaria com criminosos? Alm resolveu testar. Criou o Hope, palavra que significa “Esperança” e serve de sigla para Hawaii’s Opportunity Probation with Enforcement (Oportunidade de Condicional sob Coação do Havaí).
Conforme o Hope, hoje presente em 32 Estados americanos, a pessoa fica livre, mas, para cada violação da condicional, é prevista uma sentença imediata e proporcional – normalmente alguns dias de prisão. Conforme estudos da Universidade de Pepperdine e da Califórnia, o Hope chega a reduzir em 55% a possibilidade de os condenados voltarem a cometer crimes.
Em outubro, Alm esteve em Porto Alegre a convite do consulado dos Estados Unidos na capital gaúcha e visitou a Vara de Execução de Penas e Medidas Alternativas (Vepma). Antes, concedeu entrevista à coluna, na sede da representação americana.
Como adaptou a ideia da educar seu filho para a lida com criminosos?
Pensava em uma nova forma de lidar com o sistema de liberdade condicional. Nas sentenças originais no Havaí, 30% das pessoas iam para a prisão. Mas 70% estavam sob supervisão. Temos bons oficiais de Justiça nos escritórios de liberdade condicional (em inglês, probation offices, órgãos do sistema judiciário americano responsáveis por fiscalizar o cumprimento por parte dos réus da liberdade condicional). Na primeira semana de junho de 2004, havia réus com 10, 15, 20 violações da condicional, como uso de drogas, ausência nas entrevistas periódicas. O oficial de Justiça despendia horas descrevendo as violações. Eventualmente, me aconselhava: “Essa pessoa não está pronta para a condicional. Mande-a para a prisão”. Pensei: “Esse sistema não funciona. O que funcionaria?” Pensei em como eu e minha mulher lidávamos com nosso filho, que hoje tem 15 anos, mas era menor à época. Os pais dizem: “Cuide-se, queremos seu sucesso, mas você precisa se comportar. Ou você age certo ou errado, e (assume) as consequências”. E se a consequência vir rápida, certeira, constante e proporcional ao que você fez de errado, você aprende com isso. Eu pensei que poderíamos trazer essa ideia simples para a condicional. Não com a ideia apenas de punir, mas talvez eles usassem drogas com menos frequência, talvez passassem a comparecer mais às entrevistas.
O semiaberto no Brasil está falido. O que o senhor sabe sobre o sistema brasileiro?
Muito pouco. É parte da minha estada aqui aprender.
Alguma vez o senhor entrou em um presídio no Brasil?
Não.
Não longe do consulado americano, fica o Presídio Central, com muito mais presos do que sua capacidade. O que o senhor pensa que pode ser feito em casos como esse no Brasil?
Se as pessoas são realmente violentas e estão ferindo outras pessoas, devem estar na prisão. Esse é o local certo para elas. Mas muitas pessoas não são. Se pudermos supervisioná-las em uma comunidade saudável, se têm problemas com drogas, é isso que queremos fazer. Muitas pessoas no Havaí e em todo os EUA, falharam na condicional e foram para a prisão tardiamente. Os EUA têm uma demanda considerável por drogas: metanfetamina, cocaína… Isso é parte dos seus problemas no Brasil. Dinheiro está envolvido. Pessoas estão tentando abastecer essa demanda.
Os EUA têm uma demanda considerável por drogas: metanfetamina, cocaína… Isso é parte dos seus problemas no Brasil.
Steven Alm
Juiz americano
Muitos assassinatos no RS são ordenados de dentro das cadeias. O Estado não consegue barrar a entrada de celulares ou cortar o sinal. O senhor defende prisões fora da cidade?
Restringir o uso de celulares também é um problema nos EUA, você tenta manter celulares fora das mãos dos presos. Exatamente devido ao problema a que você se refere. (Celulares) ajudam as organizações (criminosas). É um desafio, mas a maioria das prisões nos EUA está localizada fora das grandes cidades.
Outro problema no Brasil para penas alternativas é a fiscalização. Aqui, o Estado usa tornozeleiras eletrônicas. Vocês usam esse aparelho?
Antes do Hope, oficiais de Justiça tinham muitos réus para supervisionar. Ao redor de 150 cada um. Se quisessem trazê-los de volta ao tribunal, precisava haver alguma violação. Mas a única coisa que poderiam pedir era para acentuar as sentenças das prisões. O oficial não olhava se alguém ia para a prisão por conta de um ou dois testes positivos para drogas. Olhava como alguém que tem muitas violações. O réu não achava esse sistema sério. Tinha teste positivo para uso de metanfetamina, ia até o oficial e dizia: “Não se preocupe, vou parar”. No Hope, há uma sanção a todo momento. Pequenas sentenças de prisão. É dito ao réu antecipadamente qual sanção será. Tudo começa com a audiência, na qual lhes explico. Além disso, eu os encorajo ao sucesso. Eles acham justo. Digo: “Eu sei que parar com drogas é difícil, se você usá-las, terá feito a escolha errada. Se vier ao oficial e admitir isso, você passará por um teste de drogas. Se der positivo, vai para a prisão. Você terá uma audiência dois dias úteis depois, e eu vou ouvi-lo. É um erro usar drogas, se você fizer um novo teste e der positivo, são dois dias na cadeia. Se der positivo e você disser: ‘Não usei drogas, tem um erro aí’, você será liberado”. Mandaremos a amostra para outro laboratório. Se confirmar o uso, são 15 dias na cadeia.
Quando você combina recursos, obtém os melhores resultados.
Steven Alm
Juiz americano
O senhor acredita que algo como o Hope poderia ser aplicado no Brasil?
É possível em qualquer lugar desde que você tenha um sistema de liberdade condicional e liderança. Mas exige real colaboração, coordenação para fazer isso. E isso frequentemente é um desafio. Fui promotor de Justiça por 16 anos. O último caso que denunciei foi o assassinato de um oficial de Justiça. Procurei o procurador-geral dos EUA, chefe dos procuradores federais do presidente Bill Clinton. Envolvi as forças da lei em nível federal, FBI, DEA, força-tarefa com policiais. Foi o primeiro gol. Quando você combina recursos, obtém os melhores resultados.