Chama atenção o silêncio do Partido Democrata diante dos sucessivos escândalos dos primeiros meses do presidente Donald Trump. A um primeiro olhar, pode-se imaginar que a derrota de novembro – quando praticamente todas as pesquisas mostravam que Hillary Clinton era a favorita – provocou um trauma tão profundo em suas fileiras que a legenda ainda não se recuperou. Lembro bem os olhares atônitos dos eleitores, na noite da eleição, enquanto, no Rockefeller Center, em Nova York, os telões mostravam Hillary perdendo um a um os Estados-chave. Houve uma migração de repórteres e fotógrafos, que estavam preparados para a festa da vitória da democrata, para a Trump Tower, a algumas quadras dali. A comemoração seria do bilionário “republicano” (entre aspas assim porque, até o último momento, os caciques do partido não haviam engolido Trump).
Outro golpe duro se materializaria no Congresso: os democratas não conseguiram maioria nem na Câmara nem no Senado. Trump reinaria absoluto.
Esses dois elementos já ajudariam a compreender o pouco barulho hoje. Mas há outras hipóteses que só cabem em uma necropsia ampla a portas fechadas que, espero, os democratas estejam fazendo. Por exemplo: a vitória dos republicanos, após oito anos de governo Barack Obama, está mais ligada à dificuldade do discurso de Hillary em colar no cidadão médio de uma faixa rural e suburbana. Nas últimas décadas, o partido tornou-se demasiado urbano. E seus eleitores também.
Um estudo pós-eleição realizado pelo Fundo para a Democracia, organização bipartidária americana, confirmam que o conflito básico entre as duas legendas que dominam a política americana está baseado em divergências sobre raça, moral e identidade. Ao focar eleitores que votaram em Obama em 2012 e mudaram para Trump em 2016, entende-se que eles são muito próximos dos democratas em assuntos como redução da pobreza, mudanças climáticas, política energética e até em impostos. Mas quando o tema é imigração, negros e muçulmanos – a “América para americanos” de que Trump se aproveitou tão bem –, essas pessoas pendem sensivelmente para a direita.Não foi só uma questão de bolso. É certo que o Obamacare rachou o país e levou a classe média alta a odiar Obama (um “esquerdista”, escutei dezenas de vezes nos EUA profundo durante a campanha), mas sobretudo porque Trump e os republicanos tocam mais claramente a identidade nacional.
Até quando vai durar o silêncio democrata ninguém arrisca dizer. Mas primeiro é preciso que façam essa análise de consciência.