A batalha de mísseis que EUA e Coreia do Norte deflagraram deixa claro os dois pesos do discurso da Casa Branca em relação a seus parceiros europeus e asiáticos. Enquanto de aliados da Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan), o presidente Donald Trump cobra o pagamento por sua própria defesa – os EUA são responsáveis sozinhos por 68% das despesas de defesa da aliança atlântica, do outro lado do mundo, os americanos partem, sem pestanejar, em defesa de Japão e Coreia do Sul. Nas palavras do comando americano no Pacífico foi um aviso do "compromisso inquebrantável" de Washington na defesa de seus aliados sul-coreanos frente a qualquer ameaça.
Claro, é muito mais fácil rugir contra o governo moribundo de Kim Jong-un do que peitar Vladimir Putin, única ameaça real de um Estado aos interesses europeus. Segundo uma pesquisa feita pela agência de notícias Reuters, 85% dos americanos consideram a Coreia do Norte muito mais perigosa para os EUA do que a Rússia (que 82% veem como risco). Sem falar que, no caso russo, os americanos têm o telhado de vidro: as relações do Kremlin com Trump e sua influência na eleição de novembro ainda não estão claras. Nunca ficaram explicados os rumores de que Moscou teria supostas provas comprometedoras contra o presidente-bilionário, que poderia usar para o chantageá-lo.
A crise na Ásia subiu vários níveis nos últimos dias, mas qual o risco real de uma guerra na região? Primeiro, que fique claro: há sérias dúvidas se o míssil Hyunmoo II disparado pelos norte-coreanos chegaria ao Alasca (EUA). E, mesmo se tivesse esse alcance, provavelmente seria abatido no meio do Pacífico pelo sistema antimísseis americano. Mas, em nível regional, armamentos de menor alcance já causariam estragos se chegassem às usinas nucleares japonesas e à porção sul da Península Coreana. Logo, é muito mais perigoso um ataque unilateral regional do que um míssil cruzando o Pacífico rumo à América.
Os EUA mantém centenas de soldados na terra de ninguém entre as duas Coreias – a fronteira mais militarizada do planeta. Não é do interesse chinês, fiador do governo de Pyongyang, que o regime norte-coreano caia. Em meio à crise pós-conflito, um fluxo acentuado de refugiados buscaria abrigo na China e, ato contínuo, certamente surgiria um movimento de reunificação com a Coreia do Sul. Os dois países estão tecnicamente em guerra desde 1950, uma vez que, em 1953, com o fim das hostilidades, não houve acordo de paz definitivo. Em caso de união da península, seria possível que tropas americanas aparecessem nas barbas chinesas. O mais provável é que a China segure os impulsos do camarada Kim. Mas fatos dos últimos dias já darão um bom assunto para animar o jantar desta sexta-feira em Hamburgo, com Putin, Xi Jinping e Trump no G20.