El Poblado é um dos bairros mais charmosos de Medellín, lembra muito o Moinhos de Vento, em Porto Alegre, por seus bares, cafés e vida noturna agitada. Há também muitos bosques. Volta e meia, você está caminhando por uma rua transversal e dá de cara com um córrego perto de uma avenida arborizada.
Passeava pelo bairro certa noite de maio passado em busca de um restaurante para jantar, quando percebi duas nuances que me haviam escapado nos cinco dias em que permaneci na cidade: a oferta de drogas nas calçadas por jovens bem arrumados e militares fortemente armados mimetizados com o breu debaixo de algumas marquises.
Aos poucos fui tomando conhecimento do atual estágio da criminalidade em Medellín, cidade que, nos anos 1990, ficou conhecida pelo cartel de Pablo Escobar e pela alcunha de cidade mais perigosa do mundo.
Hoje, o motivo de tantos militares agrupados em um bairro turístico da capital de Antioquia responde pelo nome de Clã do Golfo, principal cartel colombiano e emissor de drogas para México e EUA, com alianças com o PCC. Recentemente, a quadrilha que atua em todo o país adotou métodos semelhantes aos utilizados por Escobar, terceirizando a tarefa de eliminar policiais. Oferece cerca de 2 milhões de pesos (US$ 600) a quem assassinar um agente. Foram 11 mortos em um mês.
A operação dos traficantes para eliminar autoridades recebeu o mesmo nome dado por Escobar nos últimos anos de sua vida, quando foram mortos mais de 500 policiais só em Medellín: Plano Pistola.
A polícia passou a receber proteção do exército, o que explicava a minha percepção nas ruas de El Poblado. Os agentes foram orientados a sempre usar colete à prova de balas, fazer patrulhas em grupo, vestir trajes civis na ida e na volta do trabalho e a evitar se distrair com o WhatsApp e outros apps durante o expediente nas ruas.
O Clã do Golfo ganhou força a partir da desmobilização de grupos paramilitares na última década e com o plano de paz assinado pelas Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (Farc). A organização criminosa partiu para a ofensiva de matar policiais, depois que as autoridades apertaram o torniquete em torno do tráfico: recentemente, um de seus chefes, Pablito, foi morto. Mais de 90 toneladas de cocaína foram apreendidas na ação.
Em 20 anos, Medellín havia virado exemplo de como uma metrópole latino-americana era capaz de superar a criminalidade. Passou de cidade mais violenta do mundo para a mais inovadora em políticas públicas de segurança.
O governo facilitou o transporte e construiu uma rede de mobilidade que é exemplo para a América Latina. Com os homens armados, chegaram também os educadores. Enquanto a segurança se restaurava nos bairros mais perigosos, houve impulso de projetos tecnológicos, pedagógicos e culturais. A cidade construiu museus, bibliotecas e escolas. Reduziu seu índice de violência em 80% em duas décadas. A taxa de homicídios atualmente é 19 por cada 100 mil habitantes (em Porto Alegre, são 47 por cada 100 mil)
Não por acaso, caminho com mais tranquilidade lá do que aqui, na nossa Capital. Mas os militares que encontrei em Poblado, protegendo que deveria nos proteger, lembram que, de tempos em tempos, a segunda maior cidade colombiana confronta-se com seu passado.