Anunciada para novembro, a operação das Forças Armadas brasileiras com os Estados Unidos na Amazônia provocou alvoroço entre os próprios militares. Setores nacionalistas, entre eles oficiais da reserva, veem o exercício como tentativa americana de retomar a influência na América Latina. A manobra ocorre no momento em que Brasil e EUA firmam parcerias em áreas de tecnologia e defesa. Em entrevista à coluna, o chefe do Estado-Maior Conjunto das Forças Armadas, almirante Ademir Sobrinho, minimiza:
– É um exercício de uma base logística humanitária. Só isso.
A entrevista por telefone de seu gabinete no Ministério da Defesa foi concedida na manhã de quarta-feira, horas antes do decreto do presidente Michel Temer, revogado no dia seguinte, que convocou militares a atuarem com poder de polícia, após as manifestações daquele dia. Na quinta-feira, a coluna encaminhou à assessoria do almirante uma questão sobre o episódio, mas foi informada de que apenas o ministro da Defesa, Raul Jungmann, está respondendo sobre o assunto. Na conversa a seguir, Sobrinho comenta as relações com EUA, combate ao narcotráfico na fronteira e terrorismo.
Como os EUA podem apoiar o Brasil em áreas como violência e tráfico de drogas?
Primeiro, houve uma confusão muito grande em relação a esse exercício que o Exército está fazendo na área de fronteira. Esse é um exercício de (montagem) de uma base logística para atender uma situação humanitária. Logicamente, dentro da Unasul, nós já temos acordos de apoio mútuo em casos de desastres naturais, como ocorreu com o Peru, que pediu nosso apoio, com o Chile, no ano passado, no caso dos incêndios florestais. Só que se procura coordenar essas ações melhor. O que está sendo planejado na área da Tríplice Fronteira (amazônica) basicamente envolve Peru, Colômbia e Brasil. Como os EUA têm grande expertise na de ajuda humanitária, foram convidados a cooperar. É só isso. Estão falando em tropas americanas operando na Amazônia, base permanente, não tem nada disso.
Há algum problema humanitário pontual no local?
Não, aproveitou-se a área para facilitar a logística.
Há alguma justificativa para preocupação sobre soberania brasileira na Amazônia?
Parece paranoia. Não existe nada disso. Por acaso a operação é na Amazônia para facilitar para os três países. Se fosse uma operação no Sul, seria na Tríplice Fronteira entre Brasil, Paraguai e Argentina. A propósito, o que está sendo feito nessa área?As Forças Armadas têm poder de polícia na faixa de fronteira. Estamos cooperando com os órgãos de segurança pública dos Estados naquilo que é possível. Estamos montando o Sisfron (Sistema Integrado de Monitoramento de Fronteiras), que vai ser um grande gerador de inteligência. Fazemos patrulhas em coordenação com a Polícia Federal (PF), polícias estaduais e Receita Federal. A operação Ágata está sendo feita d forma mais pontual e de surpresa. Fizemos no primeiro trimestre uma série de operações no arco Norte e também na fronteira com Paraguai e Bolívia. Infelizmente, com contingenciamento de recursos, tivemos de interromper momentaneamente, mas queremos voltar o mais rápido possível.
Recentemente, criminosos brasileiros atacaram um carro-forte no Paraguai. Existe uma coordenação de inteligência com esse país?
A PF tem uma grande coordenação com o Paraguai. Iniciamos uma série de reuniões com os países limítrofes. Tivemos reuniões com a Colômbia, com a qual estamos realizando operações coordenadas na fronteira. Íamos realizar na semana passada com o Peru, mas teve de ser cancelada. Estamos agendando com os demais países, estamos descendo do Norte para o Sul, para termos uma cooperação não só de forças armadas, mas com todos os órgãos envolvidos no combate aos crimes transfronteiriços.
Há uma maior parceria com os EUA na área de tecnologia?
Desde a década de 1930, as Forças Armadas brasileiras mantêm parcerias grandes com os americanos. As relações internacionais sofrem oscilações. Mas, mesmo em momentos mais críticos de políticas nossas com os EUA, ou seja um distanciamento, nunca deixamos de ter cooperação.
Mas alguns anos atrás o Brasil teve uma aproximação maior com outros países, com auxílio de tecnologia francesa para submarinos e compra dos caças suecos Gripen.
O problema do submarino: os EUA não teriam condições de atender ao que o Brasil precisava. Os EUA não fabricam submarinos convencionais e os seus submarinos nucleares são de grande capacidade, acima das nossas expectativas. Quanto ao Gripen, houve uma escolha, os americanos concorriam com grande capacidade, um avião testado em combate, mas havia o problema de ter acesso aos sistemas, que interessava para gente. E eles têm essa política de limitar esse acesso. Por isso, o Gripen teve maior vantagem. Mas nada contra os americanos.
Há preocupação específica com relação ao terrorismo?
Na Olimpíada, os jogos eram no Brasil, mas não eram do Brasil. Estava participando todo mundo, inclusive alvos mais potenciais dos terroristas. Isso levou a uma grande preocupação. Mas nem por isso, com o término das Olimpíadas, deixamos de ter preocupação. É uma tarefa da PF, mas existe uma rede de inteligência interligada. Há uma preocupação com o terrorismo no mundo inteiro, e o Brasil não pode pensar que é uma ilha de tranquilidade.
Depois do Haiti, o Brasil irá para Síria, Líbano ou Mali?
Fizemos um estudo. Vamos apresentar prós e contras. Nossa opinião é de que o Brasil deve continuar em missões de paz. Mas é uma decisão política.