Na terça-feira, o editor Diego Japas, do jornal La Nación, de Buenos Aires, conversou, no evento Em Pauta ZH, com jornalistas, publicitários, professores e estudantes de comunicação sobre a estratégia digital do jornal portenho, um dos mais destacados exemplos de trabalho de investigação jornalística e reportagens com uso de dados. Questionado pelo publicitário Alfredo Fedrizzi, na plateia, sobre a pouca atenção dos diários brasileiros ao que acontece na América Latina, Japas brincou:
- Deve ser porque vocês têm fatos demais no Brasil para se preocupar.
Foi gentil o colega argentino. Infelizmente, não é apenas pela pauta jornalística assoberbada por Brasília nos últimos anos. O Brasil está de costas para a América Latina: no jornalismo, na música, nas letras, na política e em outros campos. Diego relatou que, no La Nación, a seção Mundo abre o jornal e que os argentinos estão muito atentos à Lava-Jato e à crise brasileira, assim como de olho nos arroubos autoritários de Nicolás Maduro, na Venezuela, no plano de paz da Colômbia e em outros fatos que, por aqui, salvo exceções, viram nota de rodapé. Nos interessamos mais por Donald Trump, por Theresa May e pelo Estado Islâmico, e aqui faço mea culpa, inclusive nesta coluna, em parte por conta de um mainstream jornalístico pautado pela CNN e pelas agências de notícias Associated Press (americana), Reuters (britânica) e France Presse (francesa). Mas não basta culpar apenas a indústria cultural ou o jornalismo - ainda mais em um momento com pluralidade de meios de comunicação, plataformas e redes sociais.
Nós é que não enxergamos o que há além de nossas fronteiras. Há um mundo cultural a descobrir que fala espanhol, enquanto somos uma ilha gigantesca de falantes em português, é verdade. Isso pode contribuir para o abismo, mas não é desculpa: franceses, alemães e britânicos, apesar das divergências, comungam muito mais das culturas uns dos outros do que nós com peruanos, equatorianos, bolivianos e chilenos, por exemplo.
Vivemos um Brexit político e cultural em relação aos nossos vizinhos. Volta e meia um que outro filme argentino penetra essa barreira ou um Pepe Mujica ou um Jorge Drexler nos faz virar o olhar para o Sul.
Em recente viagem a um país andino, o motorista que me conduzia queria saber detalhes da crise no governo Michel Temer, as chances de impeachment ou por onde anda a ex-presidente Dilma Rousseff. Quantos de nós, brasileiros, sabemos o nome dos presidentes peruano, colombiano ou chileno?
América Latina, para nós, se reduz aos clichês narcotráfico, guerrilha e, de vez em quando, ameaças de quarteladas. O Chile é mais dos que seus deliciosos vinhos. A Argentina mais do que Bariloche, Recoleta e Puerto Madero. Colômbia mais do que Cartagena e Shakira E Venezuela mais do que Bolívar e Chávez.
Nos anos 1970, até pela efervescência política no continente, havia muito mais pontes – para o bem e para o mal. Sem abrir mão da globalização, do multiculturalismo e do que acontece nos EUA, na Europa, na África, Ásia ou Oceania, o que falta para uma reconexão com a América Latina? Porto Alegre, geograficamente privilegiada e culturalmente mais próxima do que o restante das capitais brasileiras do mundo latino, poderia ser epicentro para voltarmos a olhar para o lado. Ou nos fecharemos em nossa bolha.