Ao classificar como golpe o processo de liquefação da democracia venezuelana, o governo brasileiro se exclui da função da qual se espera do maior país sul-americano: oferecer-se como mediador da crise sem fim no país de Nicolás Maduro.
Por certo, está em marcha a máquina de aniquilação da oposição por parte do regime Maduro-chavista. Mas a frase do ministro das Relações Exteriores, Aloysio Nunes, pouco contribui para o diálogo que se impõe como necessário no momento de nervos exaltados dentro das fronteiras venezuelanas, entre governo e oposição, e fora delas, em fóruns internacionais, como a Organização dos Estados Americanos (OEA).
Governo e oposição vivem às turras no país vizinho há 18 anos, desde que Hugo Chávez assumiu pela primeira vez, mas três episódios recentes deflagraram a situação atual.
1 - O processo teve início em agosto de 2016, quando a Suprema Corte atribuiu à Assembleia Nacional a posição de "desacato" porque o Legislativo incorporara três deputados do Estado do Amazonas, mesmo depois que o tribunal havia impugnado suas vitórias. Pela primeira vez desde a chegada de Hugo Chávez ao poder, em 1999, o parlamento passara a contar com maioria oposicionista - algo que Maduro obviamente não gostou.
2 - O novo capítulo foi em março deste ano, quando a Suprema Corte, controlada por Maduro, emitiu uma sentença assumindo as funções da Assembleia Nacional, enquanto esse Poder estivesse "em desacato".
3 - Na segunda-feira passada, Maduro assinou um decreto convocando uma Assembleia Nacional Constituinte para "reformar o Estado e redigir uma nova Constituição". Ou seja, passando por cima do Legislativo. De novo.
Por certo, virão outras fases. Ao contrário do Brasil, onde membros da Constituinte foram escolhidos em novembro de 1986, em eleições gerais, na Venezuela de 2017 a regra do jogo não está clara. Poucas vezes esteve. O pouco que se sabe até agora é que a nova Constituição será escrita por 500 delegados. Metade deles, pelo menos, com votos viciados. Tratam-se de 250 eleitos a partir da estrutura comunal do chavismo - em outras palavras, pessoas favorecidas pelos programas sociais ao longo dos últimos 18 anos de Chávez-Maduro no poder – integrantes das “missiones”, indígenas, juventude chavista. Para Maduro, é uma forma de garantir “uma constituinte cidadã e chavista, na qual não participarão as velhas estruturas dos partidos políticos”. Os demais 250 deputados serão eleitos por voto direto e secreto.
Dificilmente, como já se sabe, o governo venezuelano irá recuar de sua decisão. Tampouco a oposição irá sair das ruas - nunca teve na mão tanta força para desbancar o chavismo do poder.
A solução deve ser política. Os investimentos brasileiros no país e o grande volume de negócios bilaterais tornam o Brasil um interlocutor privilegiado. A diplomacia brasileira, que no passado chegou a propor um mapa do caminho para estancar a sangria no distante Oriente Médio, não tem o direito de abrir mão de seu papel de pacificação do estágio de pré-guerra civil da sociedade venezuelana. Oferecer-se como canal para o diálogo está longe de intervenção.
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O que o governo da Venezuela está fazendo é chantagem com a OEA