Se há alguém que ganha com o muro que Donald Trump pretende construir entre os EUA e o México essa pessoa se chama Enrique Peña Nieto, o presidente com pinta de galã eternamente em busca de legitimidade. Advogado, ex-governador, ele assumiu a presidência mexicana em 2012, só dois meses depois de uma contestada vitória na eleição. Seu adversário, o esquerdista Andrés Manuel López Obrador, não reconhecia a derrota nas urnas. O pleito significou a recondução ao poder do Partido Revolucionário Institucional (PRI), legenda política com requintes de máfia, que chegou a comandar o México por 71 anos. Afeito aos holofotes, sorriso permanente no rosto e cabelo impecavelmente moldado com gel, Peña Nieto é um típico populista gestado nas entranhas do PRI. Sua campanha foi cheia de suspeitas de gastos irregulares e uso de recursos obtidos por meio de lavagem de dinheiro. Quando ganhou a eleição e tudo parecia superado, vieram à tona relações estranhas da época em que era governador do Estado do México. Sua mulher comprou uma casa do Grupo Higa, que, curiosamente, tempo depois, ganhou vários contratos públicos.
Antes de Trump encasquetar com a ideia do muro, a popularidade de Peña Nieto estava em queda, e ele tinha boas chances de não completar o mandato. Não bastassem problemas econômicos, o governo agiu de forma desastrosa na crise deflagrada pelo desaparecimento de 43 estudantes em uma escola rural de Ayotzinapa. O episódio ficou conhecido como caso Iguala.
Mais de dois anos depois, a versão oficial concluiu que os jovens foram assassinados por traficantes, a pior face do México profundo. Um grupo da Comissão Interamericana de Direitos Humanos levantou outras suspeitas. Na noite de 26 para 27 de setembro, a polícia teria perseguido o ônibus dos estudantes. Ao final de uma noite mal explicada, havia seis corpos e 43 alunos desaparecidos. Há indícios de que o prefeito local, mafioso-mor do município, queria “dar um susto” naqueles jovens agitadores de esquerda. Acabou em um banho de sangue. A polícia teria detido o grupo e o entregue a traficantes, que se encarregaram do resto do serviço.
A comissão deixou o país acusando o governo de tentar obstruir a Justiça. Em outras palavras, expôs laços entre governos locais, policiais e cartéis de droga. A falta de ação de Peña Nieto no caso e a desaceleração da economia (o preço dos combustíveis subiu 20% em 2017) fizeram despencar a popularidade do presidente a 11% em janeiro, a pior em décadas.
Então, veio o muro de Trump – e sua promessa de fazer os mexicanos pagarem pela construção. Peña Nieto disse não. E cancelou a viagem a Washington, prevista para 31 de janeiro. Em menos de 20 dias, sua popularidade subiu para 16%.Não é à toa que tenha apoiado as manifestações de domingo passado contra a ideia do presidente americano. Ao espernear contra a construção, de fato uma ideia ridícula, Peña Nieto joga para a arquibancada, no pior estilo populista latino-americano.
O muro não podia vir em melhor hora para ajudar Peña Nieto a resistir no Palácio Nacional. Mas os cadáveres de Iguala assombram seus corredores. Cochicham nas noites quentes da Cidade do México. Do lado de fora, a economia grita.