Na guerra, como se sabe, não há mocinhos. Mesmo assim, no Ocidente, alguns comemoraram quando o regime de Bashar al-Assad imprimiu ao grupo extremista Estado Islâmico sua maior derrota na Síria, retomando Aleppo e colocando para correr terroristas mimetizados entre grupos de oposição. Para o presidente sírio, não há distinção: radicais barbudos que cortam cabeças de civis inocentes estão no mesmo saco de quem tenta derrubar o governo. São todos terroristas, na visão do regime.
Uma amostra do que acontece a esses opositores veio à tona esta semana em um relatório da Anistia Internacional sobre a prisão de Saydnaya, a 30 quilômetros da capital, Damasco.
Nas masmorras do prédio, 13 mil pessoas foram executadas em cinco anos. Os relatos recolhidos pela ONG de defesa dos direitos humanos causam náuseas, mas são necessários para dar contornos humanos – em um antro de desumanidade – aos números frios: prisioneiros são arrancados de celas na calada da noite e enforcados em grupos de 50. Aqueles que não morrem com o peso do próprio corpo, especialmente os jovens, leves demais, recebem “ajuda” dos carrascos, que os puxam para baixo, quebrando seus pescoços. Sem água por dias, alguns dos sobreviventes disseram ter buscado na privada da cela algo para matar a sede. Tudo começa à tarde, na hora da distribuição da comida. “Comida”, que deveria matar a fome, é a senha para o festim diabólico dos espancamentos.
O governo sírio nega as acusações, e o Ministério da Justiça do país declarou que o relatório é “completamente falso”. Mas denúncias semelhantes já haviam sido recebidas pela Comissão de Inquérito das Nações Unidas sobre a Síria, comandada pelo brasileiro Paulo Pinheiro.
Há quatro tipos de torturas: espancamentos com madeira enquanto o corpo do prisioneiro, com os olhos vendados, permanece acorrentado ao teto; o “tapete voador”, que consiste em colocar o detento deitado no chão com as duas pernas elevadas, enquanto uma plataforma de madeira é pressionada contra as pernas, forçando-as de encontro ao peito; a técnica do “pneu”, quando golpes com cassetetes são desferidos no prisioneiro sentado, com as pernas e a região do quadril envoltas por um pneu; e a tradicional “festa de boas-vindas”, em que os guardas atiram o detento recém-chegado algemado ao chão e dão início à farra de insanidades.
A prisão de Saydnaya é para civis – logo, é usada para presos políticos, sob o comando do governo de Bashar al-Assad, o homem de confiança do presidente russo, Vladimir Putin, a quem o americano Donald Trump tem como melhor amigo no Exterior. O mesmo que imprimiu até agora a maior derrota ao Estado Islâmico. Não se engane, na guerra, como se sabe, não há mocinhos.