Excetuando-se as excentricidades, como governar o país usando como ferramenta os 140 caracteres do Twitter, o presidente americano, Donald Trump, em seus primeiros 20 dias de governo, colocou em prática o que prometeu na campanha.
Os quase 63 milhões de eleitores que votaram no bilionário – a maioria oriunda da classe média branca, interiorana – desejavam que ele fizesse exatamente o que está fazendo: barrando imigrantes de países muçulmanos, falando grosso com antigos inimigos como o Irã e isolando o país.
Em novembro, enquanto percorria o interior dos EUA de carro como enviado de ZH, escutei de muitos americanos: “Os imigrantes roubam nossos empregos”. Para esses, o magnata é o enviado quase messiânico para “fazer a América grande de novo”. O presidente não erra ao imbuir-se dessa missão. Por mais que o mundo esperneie – e alguns em Nova York não se cansem de segurar cartazes em frente à Trump Tower, na Quina Avenida –, Trump tem lastro popular para suas ordens executivas: a parcela de americanos que apoia a proibição à imigração, por exemplo, é de 49%, contra 41% que rejeita sua decisão.
Um a um, Trump está desmontando acordos costurados por Barack Obama e virando de pernas para o ar canais políticos formais de Washington. Por tabela, desequilibra a ordem mundial dos últimos anos. “Fazer a América grande de novo” significa fechar o país – se é que isso é possível em tempos de globalização. Veja 10 momentos das primeiras três semanas do mundo com o empresário-presidente no poder.
1 - A diplomacia do Twitter
Trump não manda recado. Fala pelo Twitter. Os textos na rede social têm peso de pronunciamento oficial. Quando está bem humorado, faz comentários simples, mas, em geral, usa os 140 caracteres para responder, de bate-pronto, a críticas de opositores e contradiz reportagens da imprensa. Ao contrário de muitos políticos, ele próprio administra sua conta. Na quinta-feira, após conhecer a decisão da Justiça que manteve o veto migratório suspenso, ele reagiu com uma mensagem em letras maiúsculas: “NOS VEMOS NOS TRIBUNAIS! A SEGURANÇA DE NOSSA NAÇÃO ESTÁ EM JOGO!”. O uso do Twitter pelo comandante-em-chefe gera incertezas em sua própria equipe e nas agências federais, sempre sujeitas a saber a opinião do chefe ou as “novidades” de seus departamentos primeiro pela rede social.
2 - O muro do aeroporto
Muitos duvidavam que Trump, uma vez eleito, cumpriria a promessa de banir a entrada de muçulmanos no país. Pois ele o fez. Na mais polêmica de suas medidas até agora, decretou que cidadãos oriundos de sete países de maioria islâmica (Irã, Iraque, Líbia, Somália, Sudão, Síria e Iêmen) fossem barrados de ingressar nos EUA por 90 dias. O decreto foi suspenso por liminar. Na quinta-feira, um tribunal de apelações rejeitou um recurso do governo e o caso deve ir para a Suprema Corte. A confirmação por parte do Senado do nome do novo secretário de Justiça, Jeff Sessions, reforça as fileiras de Trump. O indicado integra a ala mais conservadora do Partido Republicano e é árduo defensor da medida anti-imigração.
3 - Contra a imprensa
Trump vê uma conspiração da imprensa contra seu governo. É verdade que grandes jornais americanos apoiaram abertamente, em seus editoriais, Hillary Clinton, nas eleições, mas também é certo que tradicionais emissoras de TV republicanas comemoraram sua vitória. O jornalismo americano está sendo desafiado a fazer o que melhor sabe: monitorar o poder. A relação com os jornalistas, que já não era amigável durante a campanha, azedou de vez diante da divergência sobre o tamanho do público que compareceu a sua posse, em Washington, em 20 de janeiro.
– Estou em guerra contra a imprensa – declarou Trump no dia seguinte.
Seu escudeiro nessa relação tumultuada é Stephen Bannon, o todo-poderoso estrategista-chefe. Em entrevista ao The New York Times, ele afirmou que a imprensa é o partido de oposição ao governo, que ela foi humilhada na eleição e que “deve manter a boca fechada”.
4 - O muro da fronteira
Trump assinou em 25 de janeiro a ordem executiva determinando a construção do muro na fronteira com o México. O objetivo é frear a entrada ilegal de imigrantes. Em resposta, o presidente mexicano, Enrique Peña Nieto, cancelou a viagem oficial aos EUA em 31 de janeiro.
5 - Relação azeda
Outra promessa de campanha, desfazer o acordo nuclear assinado por Obama com o Irã, está em andamento. Sanções impostas ao país foram revogadas em troca de restrições ao programa atômico. A situação esquentou no início deste mês, quando o Irã fez um teste com míssil. “O Irã foi formalmente ADVERTIDO por ter lançado um míssil balístico. Deveria agradecer ao desastroso acordo que os Estados Unidos assinaram com eles!”, disse Trump. Pelo Twitter, de novo...
6 - Mais isolado 1
O presidente retirou os EUA da Parceria Transpacífico, um dos pilares geoeconômicos do governo Obama para deter a China. Envolvia os EUA e 11 países, cerca de 40% do PIB mundial. Como os americanos representam 60% do PIB no bloco, não há como ratificá-lo sem o seu aval. A saída americana beneficia a China, que fica livre para aumentar sua influência no tabuleiro asiático.
7 - Mais isolado 2
Na mesma linha, Trump anunciou a renegociação do acordo comercial com Canadá e México, o Nafta. Em vigor desde 1994, foi principal alvo de suas críticas na campanha. Ele considera o Nafta causador do êxodo de empregos americanos para o México. Planejava iniciar a renegociação para obter termos mais favoráveis aos EUA na visita que o colega mexicano, Enrique Peña Nieto, faria no dia 31.
8 - Recuo diplomático
Antes de assumir, Trump conversou por telefone com a presidente de Taiwan, Tsai Ing-wen, provocando a China, que considera o país território rebelde. Na sexta-feira, recuou: com o presidente chinês, Xi Jinping, comprometeu-se a manter a política de “uma só China”. Mas tem guerra comercial à vista: Trump ameaça sobretaxar em 45% importações chinesas – o que certamente provocará reação do outro lado do planeta. Sua equipe econômica é composta por vários nomes conhecidos por posições anti-China, entre eles o presidente do Conselho Nacional de Comércio, Peter Navarro.
9 - Mais conservadora
Trump indicou o juiz Neil Gorsuch para ocupar a cadeira na Suprema Corte que estava vaga desde a morte de Antonin Scalia. Com a escolha, a máxima instância judicial do país ficará mais conservadora – o que vai pesar na hora de decisões importantes sobre aborto e uso de armas pelos cidadãos, por exemplo. Demonstrando independência, Gorsuch criticou na semana passada o ataque de Trump ao magistrado que bloqueou o veto imigratório: um “pseudo juiz”, na opinião do novo presidente.
10 - Conflito de interesses
Assunto de campanha, as conjecturas sobre eventuais conflitos de interesses diante do Trump empresário e do Trump presidente começam a se concretizar. A polêmica gira em torno de sua filha Ivanka, nomeada conselheira do pai na Casa Branca. Ela recebeu com Trump, antes da posse, o primeiro-ministro japonês, Shinzo Abe, ao mesmo tempo em que negociava licenciar sua marca de roupas para uma empresa do Japão. Agora, o líder usou a conta presidencial do Twitter para criticar a cadeia de lojas Nordstrom, que deixou de vender roupas de Ivanka.