Amizade pressupõe confiança e reciprocidade. Na vida ou nas relações internacionais, nem sempre é assim. Por exemplo: Donald Trump considera Vladimir Putin muito mais seu amigo do que o russo realmente o é. Durante a campanha nos Estados Unidos, o presidente recém-eleito fez tantos elogios ao colega que chegou a despertar suspeitas de que haveria ligações de seus negócios com o Kremlin. O FBI (polícia federal americana) investigou e não encontrou conexões diretas. Também foram comuns as denúncias de que a Rússia teria invadido servidores do Partido Democrata, para desestabilizar Hillary Clinton. Aos poucos, as suspeitas foram se esfarelando na realidade pós-eleitoral.
Influências externas à parte – e, diga-se de passagem, sempre existiram nos pleitos mundo afora –, a retórica de Trump é música aos ouvidos de Putin, principalmente quando ele fala em retirar os EUA da Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan). A aliança militar foi criada no auge da Guerra Fria em oposição ao Pacto de Varsóvia e à expansão da URSS. A retirada do principal financiador da Otan liberaria a fronteira da Europa da presença de bases, aviões e porta-aviões, um arsenal nas barbas da Rússia sempre visto como ameaça direta pelo Kremlin.
Putin disse que, durante o governo Obama, não houve diálogo com os EUA e acusou a Casa Branca democrata de dar pitacos em todos os países. Ora, o isolacionismo proposto por Trump, que pretende fechar o país a novas aventuras no Oriente Médio, também agrada ao amigão Putin, que vê, no recuo, caminho aberto para desequilibrar a seu favor a balança no tabuleiro global. Não há vácuo de poder: os EUA menos influentes abrem espaço para a Rússia, principalmente na Síria.
Trump prometeu suspender apoio americano a grupos que combatem Bashar al-Assad. Isso significa duas coisas. Primeiro: como Putin é padrinho político do ditador sírio, a aliança com os EUA de Trump garante sobrevida ao regime – Al-Assad assumiu em 2000 como sucessor de seu pai, Hafez, que governou o país por 30 anos. Segundo: mais poder para Al-Assad significa licença para matar – terroristas ou civis.