Não, o título acima não se refere ao Brasil. Por incrível que pareça, ele casa também com nossos vizinhos venezuelanos. Desembarquei em janeiro de 2006 em Caracas, na primeira etapa de uma viagem por Venezuela e Bolívia, para uma incursão pelo que chamei de América vermelha. Era a segunda edição fora de Porto Alegre do Fórum Social Mundial. Hugo Chávez fazia do encontro sua vitrine, e Evo Morales começava a seguir, ao Sul, os passos do “mestre” bolivariano.
O presidente venezuelano havia adotado medidas extravagantes: mudara o nome do país para República Bolivariana da Venezuela, autoproclamara-se com superpoderes, alterara a Constituição e a imprimira em pequenos livretos vendidos em camelôs e que todo cidadão deveria ter em casa. Chávez modificara até o fuso-horário da nação, que passara a ter uma hora quebrada em relação aos demais países.
O plano era refundar o sonho de Simón Bolívar. Não só na Venezuela, mas em todo o continente sul-americano. Vivia-se a maior guinada à esquerda no subcontinente desde os anos 1960. Além de Chávez e Evo, Lula no Brasil, Michelle Bachelet no Chile, Tabaré Vázquez no Uruguai, Rafael Correa no Equador, e Daniel Ortega na Nicarágua.
Dez anos depois daquela viagem, a Venezuela só não é perfeitamente um país de faz de conta, porque o sofrimento de sua população é bem real. A pobreza chega a 70% dos lares, segundo levantamento de três grandes universidades do país.
A última trapalhada do governo do herdeiro de Chávez, Nicolás Maduro, foi tirar de circulação notas de 100 bolívares (R$ 33) – as mais altas – antes da distribuição de novas cédulas, de 500 bolívares (R$ 166), que deveriam ter chegado no dia 15, mas só desembarcaram em Caracas, vindas da Suécia, no domingo passado. Ou seja, Maduro roubou da população o dinheiro, atingindo quem mais sofre com o desabastecimento.
E os culpados pelo atraso da chegada das cédulas? Para Maduro, os de sempre: um complô do Departamento do Tesouro dos EUA. Entre nós, Barack Obama tem mais com o que se preocupar do que ordenar que avião carregado de bolívares – infelizmente – desvalorizados fosse desviado no ar. Esta semana, o governo fechou a fronteira com o Brasil, entre Santa Elena do Uairén e Pacaraima, para evitar fuga de divisas. Ora, o povo venezuelano e o mundo não caem mais nessas bravatas. O chavismo não refundou a pátria. Na verdade, afundou o legado de Bolívar e o sonho dos venezuelanos.