Em 2014, quando estive em Cuba como enviado especial de ZH para cobrir o histórico acordo com os Estados Unidos - que, aliás, Donald Trump ameaçou romper nesta segunda-feira -, me desafiei a encontrar o local onde Fidel Castro morava em Havana. Leia abaixo a reportagem publicada em 23 de dezembro de 2014.
– É como Deus. Sabemos que está perto. Mas não o vemos.
A frase é de um homem de 42 anos que vive no bairro de Siboney, em Havana. Refere-se a Fidel Castro, o mais ilustre morador da arborizada região a 15 minutos do centro da capital cubana.
Sabe-se que Fidel mora onde estão los pinos, como dizem os vizinhos. Los pinos, são, em português, os eucaliptos que se destacam entre árvores menores, na paisagem de uma grande fazenda. É por ali, em lugar indefinido, sem acesso a estrangeiros ou cubanos comuns, que habita o comandante. Debaixo da copa dos mesmos eucaliptos estariam casas de oficiais que lutaram com Fidel em Sierra Maestra. Mais próximo do local onde os cubanos acreditam que o ex-presidente viva, há residências maiores, elegantes, habitadas por médicos e dirigentes do Partido Comunista. Há um hospital, o Cimeq, e várias escolas, algumas inauguradas pelo próprio Fidel. Até anos atrás, a região era conhecida apenas por abrigar a casa do comandante. Nos arredores, havia terrenos baldios e lixo. Graças a uma parceria com o governo venezuelano de Hugo Chávez, o cenário mudou: há novas avenidas, plantações de moranga (Fidel teria uma delas), tomate e alface. Também foi construído com dinheiro venezuelano uma grande unidade de reabilitação de crianças, o Centro Internacional de Saúde.
Ontem pela manhã, enquanto o carro da reportagem de ZH percorria a área, uma zona rural em plena Havana, havia um policial ou militar a cada dois quilômetros. Ninguém pediu identificação. Um dos soldados orientou a não tirar fotos. É uma área com unidades militares, a principal delas o quartel da guarda pessoal de Fidel, cuja entrada, na Quinta Avenida, uma das principais de Havana, tinha ontem oito militares ao portão.
Saber que Fidel mora em alguma parte “onde estão os pinos” alimenta o mito em torno do homem que, há 50 anos, liderou os rebeldes contra a tirania de Fulgencio Batista, implantou o socialismo na ilha, inspirou a esquerda mundial e terminou o século 20 como um dos ditadores mais controversos do planeta.
Aos 88 anos, não aparece em público. É uma entidade viva:
– Muitos pensam que morreu, mas está vivo – diz outro morador.
Fidel passou o poder ao irmão, Raúl, em 2008, após adoecer em 2006. Mantém-se presente por meio de textos nos jornais oficiais e raras aparições em fotos com presidentes que o visitam. Dizem os vizinhos que, até adoecer, era visto pelo bairro.
– Andava com sua bengala, acompanhado de seguranças a caminho de uma escola ou do hospital Cimeq – conta uma mulher.
Outro dos vizinhos de Fidel, que atuou por oito anos no Conselho de Estado, lembra que chegou perto do comandante em duas ocasiões: uma, na Marina Hemingway, ali perto. Fidel lia o jornal. Na outra ocasião, depois de ter deixado o conselho, foi autorizado a entrar nas dependências da fazenda de Fidel para consertar uma porta. Era homem de confiança.
O que o comandante pensa do acordo com os EUA? Por que está calado nesses dias? Estaria com a saúde tão debilitada que suas opiniões não teriam mais peso político? São perguntas que o mundo se faz, mas que, em Cuba, os moradores não parecem se importar.
– Fidel e Raúl certamente conversaram sobre isso antes da tomada da decisão – diz um dos vizinhos.
– Raúl não faz nada sem consultar Fidel – afirma outro.
– Quem manda hoje é Raúl –reitera um terceiro.
Qualquer debate só aumenta a aura de mistério em tordo de Fidel, de Raúl e do futuro de Cuba.