Você viu que o homem que fundaria o Estado Islâmico, Abu Musab al-Zarqawi, fez sua especialização em terrorismo em uma penitenciária jordaniana. Depois de uma incursão ao Afeganistão, ele voltou para casa. Conheceu um novo professor, Abu Muhammad al-Maqdisi.
O pupilo era mais inteligente do que o mestre. Ele subornava guardas na prisão, e levava vantagens. Al-Zarqawi foi beneficiado pelo indulto de 3 mil prisioneiros do novo rei, Abdullah II. Em 1999, ele sairia da prisão direto para um encontro, finalmente, com Osama Bin Laden, em Kandahar. O líder da Al-Qaeda estranhou as tatuagens do novato. Mas o aceitou.
Bin Laden era um terrorista em ascensão, muito conhecido dos EUA e dos serviços de inteligência internacionais, mas pouco notável nos noticiários. Em 1996, ele havia decretado uma jihad contra os americanos, que, mesmo depois da Guerra do Golfo, em 1991, permaneciam com tropas no país que abriga os dois lugares mais sagrados do islamismo, Meca e Medina – na Arábia Saudita, sua terra natal.
Após a URSS, o novo inimigo era os EUA, o mais recente invasor infiel das terras sagradas.
Al-Zarqawi seria útil a Bin Laden: o jordaniano tinha contatos no Oriente Médio. Por conveniência, os dois firmaram uma parceria. Al-Zarqawi ganhou seu próprio campo de treinamento terrorista no Afeganistão, em Herat, fronteira com o Irã. Na entrada do campo, havia uma bandeira que dizia: Tawid wal-Jihad (Monoteísmo e Jihad). Não a toa, esse nome se tornaria o batismo da célula terrorista da Al-Qaeda no Iraque. Os homens treinados ali atuariam no que é chamado Levante – as terras ocupadas por Israel nos Territórios Palestinos. Um dos braços direitos de Al-Zarqawi no campo era um compatriota chamado Abu Abdel Rahman al-Shami, que tinha a missão de ampliar seu grupo para o norte do Iraque, onde fica o Curdistão, uma região semiautônoma, então protegida por uma zona de exclusão aérea declarada pelos EUA. A região fazia oposição a Saddam Hussein e seu Partido Baath.
Al-Shami criou ali uma área de 500 quilômetros quadrados, nas montanhas, formada por 200 mil pessoas que, da noite para o dia, foram proibidas de beber álcool, de ouvir música e de ver TV.
Qualquer semelhança não é mera coincidência. Nascia ali, sob o nome de Jund al-Islam, um braço da Al-Qaeda, a gênese do EI.
Ao contrário do que os EUA do governo Bush filho imaginava, Saddam Hussein não apoiava o terrorismo, como se confirmaria depois sequer tinha armas de destruição em massa. O horror que estava em gestação tinha como alvo o próprio regime de Saddam. Antes de mirar o mundo ocidental, é claro.
Após os atentados de 11 de setembro de 2001, os EUA bombardearam o regime Talibã e os campos de treinamento da Al-Qeda, no Afeganistão, pelo ar. Por terra, apoiaram o grupo de oposição chamado Aliança do Norte. Cabul caiu. O campo de treinamento de Herat, presente de Bin Laden a Al-Zarqawi, também. Ferido, Al-Zarqawi deixou o Afeganistão em fuga com outros 300 seguidores para o Irã.
Foi por essa época que Bin Laden pediu a Al-Zarqawi a bayat, o juramento de lealdade. Ele sempre se recusou. Pode-se depreender daí o comportamento errático e egocêntrico que levaria o jordaniano a buscar sua própria organização, o embrião do EI, que um dia romperia com a Al-Qaeda. Mas isso é outra história. Veja na próxima coluna.